Crianças sem controle remoto

Por Eduardo Monteiro
Comunicador. Mestre em Educação. Consultor de projetos educacionais.

Não é fácil ser pai e mãe de Power Rangers, Dexters, Superpoderosas e outras criaturas em que nossos filhos vivem se transformando. Tampouco administrar seus super-poderes e seu bando de inimigos que nos invadem a casa. O pior são as assombrações que nos visitam na hora de pôr a cabeça no travesseiro: será que eu deixo esse menino ver esses desenhos? E aquela cena de sexo quase explícito na novela, será que já dava pra mais nova assistir?

Somos, na maioria, pais e mães responsáveis. Mas o mesmo nem sempre se aplica às emissoras de TV ou ao poder público em sua atuação nas concessões de canais. O que nos interessa aqui, porém, é como nos posicionamos diante dos valores e ideologias difundidos via TV, games, sites, entre outros.

Sem parâmetros éticos ninguém educa de verdade. Tal como nós, quando nossos filhos gostam de alguns programas (acham “irado”) e rejeitam outros, estão fazendo escolhas – que são primeiramente estéticas, mas já indicam que eles identificam ou não algum valor ali. Um simples “feio” ou “bonito” ajuda a entender as expressões desses valores: a gente ensina isso cedo a eles, dizendo “bonito (ou feio) isso que você fez”.

Ora, violência, desonestidade ou consumismo fútil são partes da vida, e a mídia não poderia fingir que essas coisas não existem. Outra coisa é valorizar isso por meio de uma estética sedutora, que vai do vídeo à mochila escolar, cuja moral pode ser tornar natural que alguns problemas da vida sejam mais bem resolvidos comprando algo ou na base da violência. Por dentro da sensação estética (achar bonito ou feio) em geral vai uma escolha: a ética, que estabelece as noções de valores e daquilo que é certo ou errado nas relações entre as pessoas.

Tudo isso é muito relativo: a Docinho (1) pode despertar o senso de justiça e o Dexter (2), o interesse pela ciência. O fato é que as mentes jovens – vorazes consumidoras de informações – precisam de modelos e de nutrição cultural para a sua construção de referências. Também é fato que nossas agendas de pais nos impõem a correria frenética da vida pós-moderna, forçando relações cada vez mais vividas a distância. E não há como impedir que nossos filhos fiquem na companhia de máquinas de entreter, que são sempre máquinas de ensinar.

É aí que entra a mídia-educação como forma de intervenção cada dia mais importante no âmbito da escola e da família. Entre outras coisas, ela visa permitir que o indivíduo construa sua autonomia como consumidor cultural. Já que as crianças irão desacompanhadas para a rua virtual da mídia, é importante nos assegurarmos que elas formem seus próprios filtros estéticos, orientando suas escolhas (de canal, de site, de game etc.) por valores virtuosos, sabendo escolher aquilo que “nutre bem” suas cabeças. Crianças com padrões tão elevados de consumo cultural, contudo, são um sonho, distante muitos anos de trabalho da realidade. Trabalho que começa já, sabendo que educar assim é tarefa complexa em que escola e família combinam estratégias.

Como tarefa de casa, nós pais, temos: (1) o investimento cotidiano na formação de hábitos que guardam os valores que desejamos para nossos filhos; (2) a assistência em nossa companhia (e/ou conhecer bem o que eles assistem); (3) o estabelecimento de regras e horários; além de, (4) revisar permanentemente nossa opinião sobre as coisas da mídia.

Como tarefa escolar, nós educadores, precisamos: (1) atuar com estratégias para a melhor educação dos sentidos (olhar, ouvir etc.); (2) facilitar que conheçam produtos de mídia de qualidade; (3) usar metodologias que incluam a comunicação multimídia; (4) analisar criticamente a mídia com eles; (5) colaborar com as famílias com informação e discussão.

O fiel da balança, porém, é a qualidade da nossa vivência pessoal como cidadãos. Porque o ambiente social e afetivo no qual a criança cresce pesa muito. E a maior contribuição que podemos dar à sua formação é o nosso próprio exemplo inspirador: sermos gente que consome, constrói e difunde cultura com critérios e valores referenciais fortes. Sem esquecer que comunicação inclui diálogo, mas diálogo é quase sempre contraposição de perspectivas – convencer e deixar-se convencer.

Notas

1 – Docinho é a zangadinha das Meninas Superpoderosas, que sempre salvam o mundo antes de dormir.

2 – Dexter é um personagem de desenho animado: menino cientista cujos inventos bizarros o ajudam a resolver os problemas com a irmã mais velha e com os outros meninos da escola ou da vizinhança.

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