Por Rodolpho Motta Lima
Advogado e professor de Língua Portuguesa.
Instigado por comentários que li/ouvi, resolvi assistir, no último dia 27, ao programa “Fantástico”. Fiz essa grande exceção a um comportamento de muitos anos, mantido para o bem dos meus fins de domingo, porque queria ver o quadro “Conselho de Classe”, em que a Globo vem expondo o que resolveu editar depois de muitas dezenas de horas de gravação no colégio República do Peru, escola pública do Rio de Janeiro. A justificativa: enfocar como é o dia a dia de quatro professores da 6ª. série do Ensino Fundamental daquele estabelecimento. Visto o programa – a terceira apresentação de uma série de cinco, tendo, em média, 12 minutos de duração cada uma -, resolvi acrescentar minha opinião a umas tantas outras, tendo antes o cuidado de procurar conhecer, na internet, o teor das duas primeiras abordagens.
Lamentei muito do que vi e ouvi. Não se deve, seja em nome do que for, submeter um assunto sério como a educação pública a uma exposição do tipo “reality show”, em que professores, ingênuos talvez, expõem a si próprios e aos seus alunos em atitudes que mais parecem buscar os tão falados 15 minutos (no caso, seriam 12) de fama…
Julgo que, aos mestres em questão – cuja qualidade e intenções não coloco em discussão, até porque seria leviandade, já que não os conheço – talvez tenha faltado malícia para reconhecer que não seria deixando-se apresentar sob rótulos como “exigente”, “linha dura”, “ mãezona” e outros, que estariam exemplificando o bom educador. Creio não ter havido sensibilidade nos momentos em que, na menção aos alunos, deixaram transparecer a visão (que espero que não tenham) de que o problema do ensino é o estudante, com seu “rebolation” em sala de aula, suas bolas arremessadas para o ar, sua preocupação com maquiagem, sua indisciplina e sua desmotivação. A meu juízo, faltou-lhes, ao menos nesses três primeiros “blocos”, uma atitude crítica quanto às condições do ensino no país – não apenas o ensino público, mas a educação vista como um todo, em uma sociedade repleta de mazelas. E então, em meio aos novelescos perfis traçados para eles, perderam uma excelente oportunidade de não se deixarem levar pelo estrelismo, um dos perigos da minha profissão. A quem serve uma negativa exposição dos alunos e do ambiente de uma escola pública? Serve a quem esse consentido clima “Big Brother Brasil”, com microfones e câmeras “escondidas” em busca de “espontaneidade”?
A “chamada” para o quarto bloco – que estará indo ao ar quando este texto já estiver circulando no DR – fala de uma festa dos professores, gente “que vai dançar até o amanhecer”. Nada contra as festas de congraçamento, nada contra a alegria e descontração. Mas tudo a favor, também, da sensibilidade para ao menos tentar imaginar hipotéticos objetivos e preservar-se.
Terão sido os “atores” previamente consultados quanto à versão final dos programas? Acredito – ou quero acreditar – que não. Penso que talvez percebessem, então, que em nada ajudaria os propósitos da educação uma frase dita sem pensar de professor confessando ter relação “de amor e ódio” com os alunos; que a autopromoção embutida em alguns depoimentos não é uma contribuição positiva; que o tom “tropa de elite” dos comandos de alguns mestres, aí incluída a contagem de 72 “Senta!” proferidos por um único professor, não é pedagogicamente adequado; que, enfim, a edição deixou mal a eles e a nós, que defendemos a qualquer preço o democrático ensino público.
Resta questionar, também, a Secretaria Municipal de Educação. Será que não se preocupou em analisar o que iria ao ar como resultado de tanto tempo de gravações? Será que considerou satisfatória a edição? Terão sido ingênuas as autoridades educacionais ou também elas terão aderido ao desejo da exposição , mesmo que do tipo “falem mal , mas falem de mim”? Em alguns depoimentos na internet, que até defendem a edição, apontam-se aspectos positivos apresentados: as salas não estão infladas de alunos, a escola é de regime integral (7 horas), apresentam-se em alguns poucos momentos modernos recursos pedagógicos. Concordo. Mas esses aspectos aparecem no detalhe, não se aprofundam, e o que predomina mesmo, ao menos para mim, é uma visão meio anárquica, até caótica, do ambiente.
Se falhou a Secretaria de Educação, não falharam os jornalistas do “Fantástico” no seu intento de transformar tudo em um “ show da vida”. Muitas das situações, claro, são do dia a dia de um colégio, seja ele público ou particular. Mas o que a edição acabou por mostrar – de forma subliminar – foi uma escola pública pouco confiável. Um tipo de escola que talvez preocupe os pais da emergente classe média carioca e que, nesta providencial época de renovação de matrículas, podem (quem sabe?) ser tentados a buscar a solução para as suas preocupações nos braços receptivos e onerosos – mas nem sempre eficientes – das escolas da iniciativa particular.
Ótima análise! Transformar o ensino público em mais um espetáculo do “show da vida” apenas garante certa audiência a um programa decadente como o Fantásico. Em todo caso, espero que esta versão da escola pública brasileira possa ser objeto de discussão em um debate mais amplo sobre a nossa educação.