Os transtornos que surgem na infância e adolescência são altamente relevantes para a sociedade
Revista Educação/22 de setembro de 2020.
Jornal da USP (Universidade de São Paulo)
Por Guilherme V.Polanczyk*
Crianças e adolescentes não são o foco de maior preocupação no contexto da pandemia que vivemos. Embora sejam igualmente infectados, apresentam manifestações clínicas mais brandas do que adultos e idosos. Entretanto, o impacto da pandemia sobre a sua saúde mental deverá ser da mesma magnitude, talvez maior. A expectativa é que as consequências do isolamento social, da ameaça contra a vida e das perdas econômicas sobre a saúde mental da população – inclusive de crianças e adolescentes – representem uma “segunda onda” da pandemia, com enormes custos sociais.
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Mas por que devemos nos preocupar com a saúde mental de crianças e adolescentes hoje, em meio ao perigo real do vírus e a tantos prejuízos sobre a economia global ainda não definidos? Os transtornos que surgem na infância e adolescência são altamente relevantes para a sociedade porque afetam indivíduos normalmente saudáveis em plena fase produtiva e de desenvolvimento, com prejuízos cumulativos até a idade adulta.
Levam muitas vezes à incapacidade e mesmo à morte, figurando dessa forma entre as principais causas de carga de doença na população. O surgimento de transtornos mentais, que ocorre mais frequentemente naquelas crianças mais vulneráveis, propaga e perpetua as desigualdades sociais já existentes. Ao antecipar as consequências da pandemia sobre a saúde mental de crianças, e entendendo como os transtornos mentais se instalam, podemos preveni-los.
O olhar da família
O estresse emocional é um dos mais importantes fatores de risco preveníveis para os transtornos mentais. Os transtornos que surgem a partir do estresse podem ocorrer já na infância ou mesmo anos após a ocorrência da situação estressora.
A atual pandemia e todo o contexto que a acompanha chegam aos cérebros das crianças por meio de informações, por meio de emoções de seus pais e outros adultos significativos, pelas mudanças da rotina e do ambiente ao longo do tempo. O cérebro de cada criança é diferente e reconhecerá os dados recebidos de formas particulares. Surgirão pensamentos e emoções como sinais de estresse, que serão transmitidos de forma direta (expressando medo, insegurança) ou indireta (irritação, insônia).
Os pais, que são protagonistas no desenvolvimento dos seus filhos, poderão reconhecer os sinais de estresse, processá-los e retransmitir às crianças respostas que geram acolhimento, segurança e aprendizado, estabelecendo um ciclo positivo. Entretanto, os pais podem não reconhecer os sinais de estresse de seus filhos, ou podem reconhecer mas não responder, ou ainda podem transmitir respostas que geram mais medo, insegurança e desamparo, estabelecendo um ciclo negativo.
*Trecho de artigo de Guilherme V.Polanczyk, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. O artigo completo foi publicado no Jornal da USP.