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O ensino da História

A construção do conhecimento no mundo midiático.

Por Marcus Tavares

Livros, filmes, novelas e séries de TV. Parece haver nos dias atuais uma maior profusão de conteúdos históricos servindo de base e enredo para diferentes narrativas que se multiplicam e potencializam via o mundo digital. Vivemos o que alguns pesquisadores chamam de ‘boom memorial’.

E qual seria o impacto deste cenário na construção do conhecimento histórico escolar? Foi exatamente esta pergunta que orientou a tese de doutorado da pesquisadora Patrícia Teixeira de Sá. Durante três meses, ela acompanhou as aulas de História em três turmas de 9º ano do Ensino Fundamental em uma escola pública da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro.

A pesquisa Conhecimento histórico e mídia em uma escola da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro, defendida no ano passado no Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio, aponta que a mídia esteve presente nas aulas, viabilizando uma flexibilização de narrativas históricas unidirecionais. Os estudantes, apesar de afirmarem que os meios de comunicação alimentam seus imaginários históricos, não conferem alto grau de confiabilidade às narrativas midiáticas. Pelo contrário, valorizam a palavra escrita impressa e a fala do professor.

“Não diria que a mídia é determinante no processo de construção do conhecimento histórico. No entanto, podemos afirmar que a mídia tensiona esse processo e traz outras e novas questões para serem trabalhadas. Ela favorece tal construção à medida que pode promover uma visão da história que incentiva a multiperspectiva. Com uso de mídia, a noção de verdade histórica pode ser complexificada e estimular os estudantes a colocarem questões para a história, na perspectiva da história-problema”, destaca.

Acompanhe a entrevista na íntegra:

REVISTAPONTOCOM – Antes de mais nada, para ficar claro para o leitor, o que você chama de conhecimento histórico escolar?
Patrícia Teixeira de Sá – Conhecimento histórico escolar é uma categoria de análise que procura compreender a natureza do conhecimento produzido na disciplina escolar História. Uma grande justificativa para se pensar sobre o significado do conhecimento histórico produzido na escola é ultrapassar sua desqualificação, isto é, criticar a ideia de que o conhecimento histórico escolar seria vulgarização e simplificação do conhecimento histórico produzido na academia. Evidentemente, existe uma relação entre as duas modalidades de conhecimento. Nas aulas de História, na Educação Básica, diferentes abordagens historiográficas estão presentes, por meio de leituras e apropriações realizadas por professores, nos livros e materiais didáticos e em atividades que envolvem pesquisa a partir de procedimentos metodológicos do campo da História. No entanto, a finalidade do ensino de história escolar não é a formação profissional de historiadores. Estamos lidando com estudantes em processo de aquisição da linguagem formal e estruturada em diversos campos de conhecimento, em estabelecimentos de ensino que, além de promover esse contato com os conceitos do mundo da ciência, também têm por missão a socialização e a formação para a cidadania. Portanto, o conhecimento histórico produzido na escola é resultado da interação entre estudantes, professores e conhecimento e está tensionado por outros fatores, além das narrativas de professores e de livros didáticos. Pode-se considerar que exercem considerável influência as narrativas sobre a história que circulam nas mídias e em conversas cotidianas, o que demonstra a presença e a força da memória social na construção de conhecimento histórico na escola.

REVISTAPONTOCOM – Neste sentido, de que forma, nos dias de hoje, se viabiliza a construção do conhecimento histórico no Ensino Fundamental?
Patrícia Teixeira de Sá – Observamos, hoje, um cenário de muita produção sobre a história, em diversas vertentes e modalidades. Intensificação de processos de patrimonizalização, valorização do turismo histórico, profusão de conteúdos históricos digitais na internet, filmes e novelas com temas históricos, biografias, obras históricas voltadas para o grande público. Todos esses elementos fazem parte de um contexto de grande interesse pelo passado que alguns pesquisadores denominam de “boom memorial”. Além disso, temos um público de estudantes cada vez mais imerso no mundo digital. Um fato inédito historicamente é o acesso de crianças e jovens, em larga escala, a dispositivos móveis conectados à internet. Tudo isso pode influenciar muito a construção do conhecimento histórico. Sabemos que historicamente a escola se constituiu como instituição pautada em grande medida pela cultura escrita e essa marca é predominante até os dias atuais. Quando se trata de conhecimento histórico, as pesquisas mostram o quanto é importante o conhecimento prévio para a construção de um novo. A mudança que gostaria de apontar é o fato de que crianças e jovens estudantes levam para a escola esquemas prévios de reflexão sobre a história informados pelos conteúdos que circulam nas mídias, digitais ou não. Algumas vezes, professores também planejam suas aulas prevendo certo tipo de associação com conteúdos midiáticos. Defendo a necessidade de investigar e observar os efeitos da sociedade midiatizada sobre a produção de conhecimento histórico escolar, tanto nas atividades propostas pelos professores como nos processos de aprendizagem dos estudantes.

REVISTAPONTOCOM – Durante três meses, você acompanhou três turmas do Ensino Fundamental para investigar tais efeitos. Quais foram suas conclusões?
Patrícia Teixeira de Sá – Ao longo do trabalho de campo, pude constatar a presença do audiovisual na escola investigada, em atividades de análise de filme, exposição oral com apresentação de fotografias e em uma experiência de produção de vídeo. A mídia esteve presente nas falas da professora, em aulas expositivas e debates com as turmas, sendo frequente o exemplo da grande imprensa como formadora de opinião ou, no caso das aulas de história, como contribuição à construção de uma visão social e/ou histórica. No entanto, a maior recorrência é a situação de aprendizagem centrada em textos impressos ou textos para cópia. Quase a totalidade das aulas esteve centrada em atividades com base em textos de livros didáticos (perceptível até mesmo na exposição oral da professora), esquemas e resumos no quadro branco e atividades escritas realizadas pelos estudantes em cadernos de notas. Ao que parece, a palavra escrita imprime um caráter de confiabilidade às informações, uma espécie de legitimidade às atividades realizadas na sala de aula, além da continuidade da reprodução de memória institucional, nesse caso, a memória escolar. É importantíssimo lembrar que produção da cultura escolar envolve bem mais do que livros didáticos e outros textos impressos ou escritos em cadernos de notas e quadros negros/verdes/brancos. A experiência na escola também é viver o espaço e as relações, é interagir com ferramentas físicas (artefatos, mobiliário, arquitetura, tecnologias, mídias) e com ferramentas discursivas (linguagens, gêneros de discurso). Todas essas ferramentas possuem historicidade e entram em jogo nos diferentes espaços educacionais de maneiras específicas. Dessa maneira, a formação histórica está intrinsecamente ligada à necessidade de uma formação multiletrada, se pensarmos em contextos sociais midiatizados. A análise dos dados permite supor que a experiência escolar se torna marcante e expressiva, em termos de construção de conhecimento histórico, através do contato diversificado com produtos culturais. A multiperspectiva, a questão da empatia histórica e a discussão de códigos ideológicos são dimensões da aprendizagem histórica que ficaram evidentes quando a prática pedagógica envolveu mídia. A partir do exposto, é importante colocar a potencialidade da mídia-educação, capaz de sofisticar habilidades em diversas linguagens, especialmente a audiovisual e digital, para o aprimoramento da formação histórica de jovens estudantes na contemporaneidade.

REVISTAPONTOCOM – Mas certamente a presença de produtos culturais no ensino de História não é novidade nem algo novo.
Patrícia Teixeira de Sá – A presença de produtos culturais na aula de história não é recente. Vários tipos de imagens e de narrativas audiovisuais são defendidos como estratégias didáticas para o ensino de História desde o princípio do século XX. O que pode provocar alguma inflexão nos tempos atuais é a presença do digital, que multiplica as possibilidades de uso de mídia na escola. Nas turmas em que realizei a pesquisa, registrei uso de mídia em diversos momentos: como ponto de partida da discussão do conceito de anarquismo; como ilustração de aula expositiva sobre reformas urbanas no Rio de Janeiro no início do século XX; como fonte de análise e estratégia de “visualização” do movimento de Canudos; em produção de vídeo sobre a história do pagode. As salas de aula estavam equipadas com projetor multimídia e este foi o equipamento fundamental para a realização das atividades envolvendo mídia, no entanto a velocidade de conexão com a internet era muito lenta, o que dificulta o uso de mídia na aula.

REVISTAPONTOCOM – Neste sentido, é possível afirmar que a mídia favorece a construção do conhecimento histórico entre os estudantes?
Patrícia Teixeira de Sá – Favorece à medida que pode promover uma visão da história que incentiva a multiperspectiva. Com uso de mídia, a noção de verdade histórica pode ser complexificada e estimular os estudantes a colocarem questões para a história, na perspectiva da “história-problema”. A partir dessa perspectiva, inaugurada por historiadores ligados à Escola dos Analles nas primeiras décadas do século XX, o passado deve ser interrogado e os documentos não falam por si. Assim, a relação entre presente e passado é um tema importante de reflexão e contribui para a sofisticação do pensamento histórico. Creio que isso deve ser trabalhado junto a estudantes da Educação Básica, por meio de exercícios de análise e contextualização de fontes históricas, entre elas, as narrativas midiáticas. A mídia possui uma força estética capaz de mobilizar argumentos que podem favorecer a crítica a uma visão unidirecional da história. Certamente, a mediação do professor nesse processo é fundamental, para promover uma espécie de “anacronismo controlado”, conforme defende a pesquisadora Ana Maria Monteiro. O anacronismo é um dos maiores riscos para a produção de conhecimento histórico. Metodologicamente, interpretar o passado sem uma preocupação com o quadro de valores da época estudada é um grave equívoco. Por outro lado, sabemos que não conseguimos escapar totalmente do nosso próprio quadro de valores. Assim, o “uso racional do anacronismo” envolve atenção a dois presentes históricos: o do grupo estudado e o do observador. Essa tensão deve ser explicitada para evitar distorções e simplificações e é parte fundamental do desenvolvimento do pensamento histórico.

REVISTAPONTOCOM – Pode-se afirmar que, no século XXI, a construção do conhecimento histórico dos estudantes é feita por meio da mídia?
Patrícia Teixeira de Sá – Seria difícil fazer essa afirmação categoricamente. O público de estudantes participante da pesquisa, pertencente às classes C e D, não apresentou uma rotina de acesso a conteúdos históricos fora da escola. Era relativamente baixa a frequência com que tomavam contato com filmes, vídeos, literatura ou lugares históricos. Ao que parece, a escola exerce um papel fundamental de promoção de interpretação sobre o presente e o passado mediado pelo conhecimento histórico. De outros modos, não ficou evidente a presença do conhecimento histórico no cotidiano desse público. Assim, eu não diria que a mídia é determinante no processo de construção do conhecimento histórico. No entanto, podemos afirmar que a mídia tensiona esse processo e traz outras e novas questões para serem trabalhadas na Educação Básica. Por exemplo, a análise das linguagens que estruturam as diversas mídias pode auxiliar professores e estudantes a construírem interpretações pertinentes e fundamentadas sobre temas históricos. Essa seria uma excelente contribuição para o exercício de pensar historicamente.

REVISTAPONTOCOM – A mídia tem mais voz do que os professores, neste processo de conhecimento histórico?
Patrícia Teixeira de Sá – Segundo os estudantes participantes da minha pesquisa, a mídia não suplanta a voz do professor. Esses estudantes relataram desconfiança em relação à mídia, apontando a manipulação inerente a esse tipo de narrativa e apresentaram muitas dúvidas a respeito das fronteiras entre ficção e realidade. Para eles, a palavra do professor e a versão escrita e impressa do conhecimento histórico têm maior grau de confiabilidade e representam as “verdadeiras narrativas” sobre a história. Apesar dessa constatação, ficou evidente em seus depoimentos que narrativas midiáticas alimentam seus imaginários históricos e oferecem alternativas de visualização do passado e ampliação de argumentos para se pensar a história.

REVISTAPONTOCOM – O que os professores pensam a respeito?
Patrícia Teixeira de Sá – Não tenho dados sistemáticos sobre isso. Meu trabalho se voltou para a análise das interações e das atividades de ensino na sala de aula. Não houve investimento em investigar as visões de professores sobre o assunto. Gostaria de trabalhar o tema em estudos futuros.

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Marcos Adriano de Carvalho Marcello
Marcos Adriano de Carvalho Marcello
7 anos atrás

Uma das áreas do conhecimento, onde a esquerda mais se infiltrou, foi entre professores e acadêmicos.
Notadamente aqueles voltados ao estudo da História.
A esquerda adora desconstruir a História, como foi ensinada até o final da década de 80.
À partir de então, passaram a dar interpretação muito pessoal, da História, sempre tendenciosamente em favor de suas teorias rocambolescas!

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