Por Thales Vilela Lelo
Repórter do Jornal da Unicamp
Foto de Antoninho Perri
Tese de doutorado desenvolvida na Unicamp explorou o modo como moradores de favela no Rio de Janeiro utilizam o Facebook como ferramenta de mobilização social e de combate à violência, sobretudo aquela praticada pelos órgãos de segurança estatais. A pesquisa, realizada por Junot de Oliveira Maia no Departamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, foi orientada pelos professores Denise Bértoli Braga e Daniel do Nascimento e Silva. No trabalho, Junot analisou, principalmente, as postagens de Mariluce Mariá e Cléber Santos, moradores do Complexo de favelas do Alemão, localizado na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Segundo o pesquisador, as duas páginas gerenciadas pelo casal no Facebook, “Complexo Alemão” e o perfil nominal de Mariluce Mariá, possuem juntas mais de 100 mil seguidores e exercem influência social na região por informarem sobre acontecimentos de relevância para os moradores, divulgarem projetos artísticos e culturais e denunciarem abusos de autoridade de membros da corporação policial contra habitantes do Complexo.
Ao longo da pesquisa, Junot também esteve no conjunto de favelas a fim de manter contato com Cléber e Mariluce, além de conhecer outras atividades do casal na região. Em sua tese, o pesquisador metaforiza as ações dos moradores nas redes sociais como “fogos digitais”, em referência aos fogos de artifício que antigamente eram utilizados pelos varejistas de drogas para anunciarem o início de conflitos com policiais. Junot complementa que, com o início do projeto de instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) nas favelas cariocas, conduzido pela Secretaria Estadual de Segurança do Rio de Janeiro a partir de 2008, a prática de soltar fogos para informar os moradores dos conflitos foi abandonada, uma vez que os policiais se encontravam na mesma região que os varejistas de drogas. Em entrevista com o pesquisador, ele afirma que “com a presença da polícia de proximidade, os varejistas não tinham como soltar os fogos, e aí essa prática migra para o Facebook por meio das postagens de Mariluce e Cléber”.
Junot também destaca que, aos poucos, os moradores do Complexo do Alemão passaram a utilizar as redes digitais, chamando a atenção do poder público para suas demandas sociais. Como exemplo, o pesquisador destaca que o perfil de Mariluce e a página de Cléber, em determinado momento, foram usadas para expor a decepção dos moradores das favelas com a experiência das UPPs e denunciar o abuso de autoridade dos policiais contra a população local. Para Junot, as postagens do casal repercutiam na região do Complexo e propiciavam o estabelecimento de relações entre os moradores. Devido ao fato de a escrita ter sido utilizada para gerar reações dos cidadãos, o autor da pesquisa nomeia as atividades de Cléber e Mariluce no Facebook como práticas de letramentos. Como propõe Junot, “letramento é escrita, ou seja, relações sociais estabelecidas em função e por meio da escrita”.
Para o Junot, as ações de Mariluce e Cléber nas redes sociais compõem também uma memória da favela em ambiente online, uma história construída pelo ponto de vista dos moradores. Segundo Junot, seu trabalho permitiu constatar que as ferramentas digitais são criativamente utilizadas pelos habitantes das periferias urbanas, possibilitando que suas opiniões sejam lidas por uma diversidade de usuários que diariamente acessam o Facebook.
A convite dos orientadores da pesquisa, na defesa da tese, ocorrida em 25 de agosto, Mariluce e Cléber participaram da banca julgadora como debatedores e contribuíram diretamente para a avaliação do trabalho, numa ação inédita no Instituto de Estudos da Linguagem. Na entrevista realizada com Junot após a sessão de defesa, o autor reforçou que é importante que a universidade pública seja ocupada pelas vozes de minorias, como é o caso dos moradores de favelas, para que seu espaço se torne cada vez mais democrático. O pesquisador acrescenta que a produção científica pode ser uma aliada poderosa dos habitantes de periferia, já que os moradores podem fazer usos estratégicos das pesquisas no sentido de argumentarem em favor de suas reivindicações e fortalecerem suas cobranças junto ao poder público em audiências com autoridades institucionais do Rio de Janeiro.