Por Laís Fontenelle
Psicóloga. Autora do Blog Infância de Clarice
“Lápis, caderno, chiclete, pião
Sol, bicicleta, skate, calção
Esconderijo, avião, correria, tambor, gritaria, jardim, confusão
Bola, pelúcia, merenda, crayon
Banho de rio, banho de mar, pula cela, bombom
Tanque de areia, gnomo, sereia, pirata, baleia, manteiga no pão
Giz, merthiolate, band-aid, sabão
Tênis, cadarço, almofada, colchão
Quebra-cabeça, boneca, peteca, botão, pega-pega, papel, papelão
Criança não trabalha, criança dá trabalho
Criança não trabalha”
Grupo Palavra Cantada.
Simples e sábias palavras da letra da música do grupo Palavra Cantada que nos mostrou com leveza e poesia do que realmente as crianças devem estar cercadas nessa peculiar fase da vida que é a infância. Mas, infelizmente essa não é a realidade que circunda muitas das infâncias brasileiras e ao redor de todo mundo. Muitos são os abusos que assolam as nossas crianças no seu cotidiano e talvez o mais triste, ainda hoje, seja a vigência do trabalho infantil que rouba as horas de brincadeira, convivência e aprendizagem de muitos de nossos pequenos marcando sua saúde física, emocional e também sua trajetória.
Dia de luta
12 de Junho não é somente uma data comercial comemorada no Brasil que homenageia os namorados convocando-os a troca de carinhos e presentes que enchem nossas timelines nas redes sociais com corações e declarações. Vale lembrarmos que a mesma data é de luta internacional pelo combate ao trabalho infantil e por isso merece nossa atenção e reflexão. Devemos entender Trabalho infantil como toda forma de trabalho exercido por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima legal permitida para o trabalho- conforme a legislação de cada país. Vale destacar que a exploração do trabalho infantil é muito mais comum em países subdesenvolvidos ou considerados emergentes, como o caso do Brasil, onde em regiões mais pobres e isso se deve, principalmente, à necessidade de se compor a renda familiar.
Geralmente o trabalho infantil é proibido por lei e nos casos mais nocivos, considerados pela convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de 1999, como trabalho escravo, exploração sexual, maus tratos e pornografia de menores são considerados crime com pena de prisão, como no caso do Brasil. De acordo com a legislação de cada país há uma idade mínima para que as crianças comecem a trabalhar. Antes disso as atividades laborais são então consideradas ilegais e, portanto, criminosas.
Legislação Brasileira
Em nosso país o trabalho infantil é proibido legalmente sob qualquer condição para crianças e adolescentes entre zero e 13 anos. Segundo nossa Constituição Federal de 1988 aos 14 anos já é possível se começar a trabalhar como menor aprendiz e dos 16 aos 18 anos o trabalho é permitido com algumas restrições tais como: as atividades laborais não podem acontecer entre 22 e 5 horas, em condições insalubres ou perigosas e não fazerem parte da lista citada acima das piores formas de trabalho infantil.
Vale destacar que no Brasil, a consolidação das leis de trabalho garante também ao trabalhador adolescente entre 14 e 18 anos, uma série de proteções especiais, detalhadas em seu Capítulo IV (artigos 402 a 441). Entre elas, a proibição do trabalho em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, moral e social, e em horários e locais que não permitam a frequência à escola (artigo 403, § único). A CLT concede, também, ao trabalhador estudante menor de 18 anos, o direito de fazer coincidir suas férias com as férias escolares (artigo 136, § 2º).
Em números
O labor infantil tem sua história confundida com a própria história do trabalho, estando presente nas mais diversas sociedades ao longo dos tempos. Há referências à utilização de crianças e adolescentes no trabalho desde os períodos mais remotos, como aqueles em que o ser humano dependia exclusivamente da agricultura para sobreviver, até os dias atuais, nas mais diversas atividades e com alguns novos formatos e contornos (como é casos na internet)- apesar de sua proibição legal.
Um relatório de 2013 da OIT apontou que 168 milhões de crianças e adolescentes exerciam algum tipo de atividade laboral e que 5 milhões estavam submetidas a trabalhos forçados- inclusive em condições de exploração sexual e de servidão por dívidas. E o mais triste é saber que as atividades mais comuns exercidas por crianças estão na lista das consideradas crimes como aliciamento para o tráfico de drogas, exploração sexual e o próprio trabalho doméstico.
Um pouco de história
Sabe-se que a mão-de-obra infantil participou ativamente no processo de desenvolvimento das antigas civilizações semeando, colhendo e guardando rebanhos. Existem relatos, inclusive, de menores trabalhadores desde os três anos, em minas, olarias e embarcações. Em tempos bíblicos existem referências de exploração de crianças escravas e relatos de famílias judias que ao retornarem do exílio acabavam reduzindo seus filhos a escravos como moeda de troca por alimentos.
Na Europa medieval, documentos comprovam que crianças eram submetidas a péssimas condições de trabalho até na neve, sendo expostas a ferimentos provocados pelo trabalho e como se não bastasse, recebiam maus tratos autorizados pelos próprios pais.
Durante o período da industrialização do trabalho é sabido que nas metalúrgicas e minas de carvão crianças lidavam com o ferro e pesados vagões para o transporte do produto desde os cinco anos de idade e faleciam antes mesmo de chegar aos 25 anos.
Já no período da Revolução Industrial em muitos países as famílias deixaram o ambiente familiar para trabalhar nas fábricas, levando inclusive as crianças e as submetendo a um rígido sistema de produção. E em momentos de crise econômica o emprego infantil até passou a competir com o dos adultos, situação que fez surgir propostas concretas de redução da jornada infantil.
Sobre a relação da história do trabalho infantil no Brasil vale lembrar que desde o início da colonização as crianças negras e indígenas foram incorporadas ao trabalho das fazendas. Mas, a partir do desenvolvimento socioeconômico do país a forma do trabalho infantil mudou e com a chegada da revolução industrial por aqui houve a inclusão da mão-de-obra infantil a custos mais baixos, particularmente na indústria têxtil.
Já no século XX, com o boom da urbanização crianças e adolescentes nas cidades entraram no setor laboral informal, principalmente em oferta de serviços e atividades ilícitas (tráfico de drogas, prostituição, etc.)
Por fim faz-se importante ressaltar que o direito do trabalho nasceu somente com a sociedade industrial já que no período pré-industrial não havia ordenamento jurídico e assim, predominava o regime de escravidão.
Crianças na web: entretenimento ou trabalho?
Nos dias de hoje temos assistido impunemente a um tipo de atividade infantil na web com o crescimento dos blogueiros e youtubers mirins, pequenas celebridades que viraram febre na internet e que detém milhões de seguidores em suas páginas nas redes sociais ou em seus canais do youtube. O conteúdo produzido, exposto e compartilhado por essas crianças vai desde merchandising e demonstração de produtos até criações originais como funk ostentação, receitas e dicas de culinária ou aulas de fitness.
O que devemos prestar atenção é que essas crianças e sua capacidade de influenciar pares e criar moda já foram identificadas pelo mercado que os tem abordado com “presentinhos ou brindes” em forma de produtos que acabam sendo anunciados pelas crianças em seus canais. Essa banal e inocente “publicidade” feita e assistida pelas crianças tem passado batido aos olhos de pais e mães, mas preocupado aqueles que trabalham na defesa dos direitos da infância conforme reportagem recente http://www.consumidormoderno.com.br/2016/05/04/youtubers-mirins-trabalho-infantil/
Criança – sujeito de direitos
Nossa Constituição Federal já previu em seu art 227 que nossas crianças são prioridade absoluta em nosso país. Elas devem ter acesso a todos seus direitos e, principalmente, a vivência de uma infância plena. Não devemos, portanto seguir descumprindo a legislação ao permitir ou apoiar o trabalho infantil.
A infância é o tempo da formação da personalidade, valores e do conhecimento e o trabalho se torna um impeditivo para concretização dessas tarefas – imprescindíveis para o exercício de vida futura cidadã. Façamos valer os direitos de nossas crianças. Diga Não ao trabalho infantil.