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Conselhos paternos parecem hoje ser cada vez mais raros

Por Roger Cohen
Publicado no The New York Times

Uma conversa uma noite dessas com amigos e seus filhos levou-me à questão dos conselhos sobre a vida, pérolas de sabedoria transmitidas por pais aos filhos na vaga esperança de que elas possam ser esclarecedoras.

Hoje em dia, com o relacionamento pais-filhos invertido a ponto de a geração mais velha viver com medo da mais jovem, minha sensação é de que esse conselho raramente é dado. Pareceria presunçoso. Os pais não mandam mais. Eles se encolhem. No último inverno em Vermont, vi uma garota de seis anos atirar um bastão de esqui contra sua mãe, cuja reação complacente sugeriu que ela considerava esse comportamento aceitável. Não é, aliás.

Ainda assim, alguns pais dão conselhos de vida, ao que parece. Um amigo diz a seus três filhos: “Nunca usem drogas ou adjetivos”. Um menino de 16 anos disse que foi muito útil a advertência de seu pai: “Nunca subestime ‘Rubber Soul’.”

É verdade que, na minha experiência, várias faixas do sexto disco dos Beatles, como “I’m Looking Through You”, nunca deixam de instruir e consolar. Outra amiga disse que seu pai, usuário inveterado dos táxis de Londres, sempre lhe havia aconselhado: “Não se preocupe se perder o táxi, sempre virá outro atrás”. Ela muitas vezes pensou nisso.

Hoje, esse conselho é falso. Com muita frequência, não há táxi depois daquele que você perdeu e você fica na chuva por meia hora espiando vagamente na escuridão urbana, amaldiçoando seu destino.

Por outro lado, como metáfora, talvez haja algo no conselho: com o tempo, depois de perder oportunidades, outras oportunidades surgirão -se você for paciente. Ou, colocado de outra forma, o caminho que não foi seguido pode ser uma perda menor do que se acreditava inicialmente. Mas, mais uma vez, talvez não. Às vezes as coisas simplesmente se perdem para sempre –e são lamentadas para sempre.

Como tudo isso sugere, pode haver mais nos conselhos de vida dos pais do que seu conteúdo. A própria existência deles é agradável -algo para se lembrar, ponderar e rir, independentemente de seu valor. Eu gostaria que meu pai tivesse me dado mais conselhos. Minha mãe costumava dizer: “Nunca subestime o poder da esperança”. Muitas vezes pensei sobre isso.

Durante a conversa, minha filha apartou: “Papai, você nunca me deu conselhos desse tipo”. Parecia desapontada comigo – evidência de que até as crianças do século 21 preferem que seus pais comandem em vez de se encolher. Eu acho que dei. Toda vez que tentava acordá-la, eu entoava: “Levante-se e brilhe. É dia no pântano, mais um dia, mais um dólar, o primeiro passarinho pega a minhoca. O futuro pertence aos que levantam cedo”. E fui redondamente ignorado.

Acho que hoje eu diria: “Não resmungue, não choramingue e adote a maior qualidade da Inglaterra: o estoicismo”. O que aconteceu com os estoicos? Como é que ninguém tinha exigências dietéticas especiais quando eu era criança e hoje todo mundo tem? O que é glúten, aliás?

Fiquei surpreso no outro dia, diante da epidemia de alergia a nozes, ao ver uma placa em um bar sobre os pacotes de amendoins: “Estes produtos realmente contêm nozes.”

Lembrou-me da piada sobre o assunto do comediante americano Louis C.K.: “É claro, é claro, as crianças que têm alergia a nozes precisam ser protegidas. É claro! Temos de segregar sua comida das nozes, ter sua medicação disponível a todo momento e qualquer um que fabricar ou servir alimentos precisa estar consciente das mortíferas alergias a nozes. É claro! Mas talvez, talvez, se tocar uma noz o matar, é porque você tinha que morrer!”.

Suponho que então esse é meu conselho de vida: lembre-se de rir e, se você não está rindo, lembre-se de que está em dificuldade. Fora isso, eu diria como os chineses: “Se você quer ser feliz por um dia, embebede-se; por uma semana, mate um porco; por um mês, case-se; pela vida toda, seja um jardineiro”.

Cultive seu jardim, o interior e o exterior. Faça-o florescer. Arrume a mesa para um banquete. Convide um desconhecido.

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