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Formar para o futuro

Por Érica Fraga
Jornalista com mestrado em Economia Política Internacional no Reino Unido. Venceu os prêmios Esso, CNI e Citigroup. Escreve sobre educação, às quartas, na Folha de S. Paulo
Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo

Seis em cada dez alunos do ensino fundamental no município de São Paulo acreditam que trabalhos em grupo, debates e o uso de tecnologia pelo professor facilitam a aprendizagem. Os dados revelados em reportagem do jornalista Paulo Saldaña, no Jornal Folha de S. Paulo, mostram que os estudantes brasileiros estão de alguma forma antenados com o que será esperado deles no mercado de trabalho.

Segundo uma nota recente do FMI sobre educação, assinada por Nagwa Riad, a geração nascida entre 1980 e 2000 — mesmo os que já estão empregados — enfrentará mudanças constantes e profundas em seu universo profissional. O documento ressalta que isso “significa que muitos, se não a maioria, precisarão se ‘reequipar’ e aprender novas habilidades diversas vezes durante sua vida laboral”.

Um estudo do Fórum Econômico Mundial sobre o futuro do trabalho, publicado em 2016, cita uma estimativa de Karl Fisch e Scott McLeod segundo a qual 65% dos alunos que iniciam a educação primária trabalharão em ocupações hoje inexistentes.

Por isso os estudantes paulistanos estão certos em querer maior interação com colegas e a aplicação da tecnologia como apoio pedagógico. São ferramentas que aumentam a atratividade do conteúdo escolar, claro, mas que, além disso, serão essenciais para a necessidade de frequente reciclagem ao qual serão expostos no futuro.

Uma pista de como isso ocorrerá está na lista de dez habilidades que serão mais valorizadas em 2020 em comparação com as mais buscadas em 2015. Segundo profissionais de RH de dezenas de países —incluindo o Brasil— ouvidos pelo Fórum, a criatividade, que estava no pé da lista de 2015, será a terceira característica mais importante para o candidato a uma vaga daqui a três anos. A tecnologia é aplicada de forma crescente em processos criativos das mais diversas áreas.

Inteligência emocional —capacidade de se relacionar bem com os outros, de superar problemas e de persistir em desafios— que nem aparecia no ranking de dois anos atrás surge em sexto lugar no de 2020.

Aí surgem perguntas como: fala-se tanto agora dessas habilidades não cognitivas, de sua importância, de como empregadores darão enorme valor a elas, isso significa que a formação nas disciplinas tradicionais perderá valor?

Não, dizem os entendidos. O mercado continuará à busca de indivíduos que dominem muito bem o básico, a matemática, o raciocínio lógico, as ciências, a língua. Uma evidência disso é que resolução de problemas complexos aparece no topo da lista de habilidades mais demandadas em 2015 e não é desbancada por nenhuma outra em 2020.

Tanto o FMI quanto o Fórum ressaltam que as profissões ligadas a ciência, tecnologia, engenharia e matemática – classificados em inglês como “Stem” – continuarão a prosperar. A diferença em relação ao passado é que haverá menos espaço para o profissional genial com números que não gosta muito de conversa e passa a maior do tempo isolado. Um trabalho muito interessante do economista David Deming, de Harvard, analisou o crescimento das profissões – tanto em termos de vagas quanto de remuneração – considerando o grau de “habilidades sociais” exigido nas mesmas.

O pesquisador concluiu que cargos que exigem muita matemática, mas baixa interação com pessoas, estão em declínio no mercado norte-americano. Mas os que exigem muita matemática combinada com grande interface social estão em alta. Um exemplo: será cada vez mais esperado que programadores de computação interajam com clientes para entender suas necessidades especificas. A adoção de estruturas menos verticais nas empresas também é outra mudança que terá impacto nas habilidades exigidas dos profissionais.

Cargos intermediários como gerentes administrativos devem ser drasticamente reduzidos. Uma série de reportagens que fiz com as jornalistas Mariana Carneiro e Ingrid Fagundez em 2014 mostrava que isso já começava a ocorrer no Brasil. Essa tendência, diz o Fórum Econômico Mundial, vai exigir mais comunicação direta entre funcionários em níveis hierárquicos mais baixos e chefes em cargos importantes que talvez antes nem se encontrassem. Ou seja, as pessoas vão precisar falar bem, se expor bem, se comunicar bem, com públicos diferentes. Isso valerá para empregados e chefes.

Todas essas mudanças significam que a escola e os formuladores de políticas educacionais precisam pensar em conteúdos e estratégias pedagógicas que olhem mais para o futuro. Ouvir os alunos —como parece estar fazendo o município de São Paulo —é essencial.

Estar antenado com o mundo empresarial e acadêmico para entender o que vem pela frente também. Escolas, empresas e academia ainda são separadas por enormes muros que não beneficiam ninguém.

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Francisco José de Arimathea Gugik
6 anos atrás

A evolução das práticas laborais, em qualquer nível hierárquico, determina uma maior interatividade, pois mesmo patamar funcional diferente, é imprescindível que a formatação de um ambiente democratizado, seja advindo de práticas docentes e de estratégias pedagógicas muito mais voltadas para as demandas discentes, culminando com o desenvolvimento de habilidades de interesse e aderência de estímulo ao cidadão, concomitantemente com as expectativas do mercado de trabalho, conjunturais e da economia.

É preciso, mais que em todos os tempos, a escola, o professor e o aluno se vinculem à sociedade produtiva, em modo de parcerias, não para cumprir as regras do capitalismo, mas pela utilidade da força de trabalho e que não sejam poupados esforços, quando não recursos, em pesquisas estruturadas ou não, de modo a que se tenha em constância a curiosidade despertada, com ela o reconhecimento das problemáticas e a proposição de melhores e sustentáveis soluções.

Provavelmente, quando houver esse “mergulho” conjunto, da escola e do mundo dos negócios, haveremos de ter nível qualitativo acentuado de mão-de-obra com alunos egressos, feitos profissionais muito melhor preparados, escola participante e acompanhando demandas mercadológicas, professores mais envolvidos e reconhecidos, inclusive mais “cobrados” por suas competências e organizações mais sadias e economicamente sustentáveis.

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