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Dia das mães e o consumo

Por Marcus Tavares

Está combinado: este domingo é Dia das Mães. Nem se quiséssemos esquecer a data conseguiríamos. Já há algumas semanas a mídia teima em nos lembrar, ininterruptamente, de homenageá-las. E no mundo capitalista ocidental, homenagem que se preze exige a compra de um belo presente. Bolso vazio não é problema. Descontos à vista, cartões de crédito, primeiro pagamento daqui a cem dias, compras a prazo. Vale tudo para agradar as mães. Afinal, como dizem os comerciais com o seu poder de sedução e persuasão: elas merecem. Todo ano a história se repete.

Na verdade, dizer às atuais gerações de filhos – e às de mães também – que a data perdeu sua pureza e sentido e se transformou num grande negócio de vendas é ir contra a sociedade em que vivemos. Quem arrisca assumir uma atitude contrária corre sério risco de ser rotulado de chato, alienado ou até mesmo de pão-duro. Ou você acha que a sua própria mãe não está esperando um presente, por simples que seja, neste domingo?

Em nossa sociedade, presentear as pessoas – mães, pais, filhos, tios ou avós – em qualquer data festiva faz parte da cultura, da vida cotidiana, da identidade de nosso povo. Não estou querendo advogar a favor do consumo, mas apenas contextualizar e relativizar nossas atitudes no tempo e no espaço.

Neste sentido, o Dia das Mães assume, a cada ano que passa, mais e mais uma conotação mercadológica. A homenagem se traduz na compra de um presente e ponto final. A mãe é homenageada e o filho cumpre com o seu papel, com a sua posição de sujeito na sociedade de consumo. Posições com as quais ele é convidado ou induzido, pelos meios de comunicação, a identificar-se.

Como bem aponta Douglas Kellner, professor de Filosofia da Universidade do Texas, no livro “A Cultura da Mídia”, trata-se de posições de papéis, de aparências e de imagens fixadas pelos modelos e discursos, enfim pela linguagem da mídia. Posições que trazem consigo valores, estereótipos e modos de vida, criados a partir de um olhar e de um entendimento de mundo.

Afinal, não podemos esquecer que a cultura apresentada pelos meios de comunicação é produzida com uma intenção, com um objetivo. Não estamos diante de uma cultura diversa, heterogênea ou multicultural, mas, sim, de uma cultura particular e mercantil. Os conteúdos veiculados pela mídia são cuidadosamente editados a partir de interesses mercadológicos e ideológicos. Como afirma a reconhecida escritora Ana Maria Machado, a mídia busca a homogeneidade e tende à hegemonia e ao monopólio. “Grandes números, gosto médio e consumo uniformizado que permite a economia de grande escala e o barateamento de custos”, destaca a autora.

Assim é o Dia das Mães. Mesmo tendo absoluta certeza de que nossas mães são únicas, possuem uma história própria e têm características e gostos particulares, todas ou quase todas são presenteadas da mesma forma. Presentes iguais, marcas idênticas. Estudiosos do assunto explicam que isso acontece com freqüência pelo fato de que os comerciais, na prática, não vendem mais o produto anunciado, mas, sim, valores, sentimentos e emoções que a ele estão agregados.

O professor Evandro Vieira Ouriques, coordenador do Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência (Netccon), da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica: “O que gostaríamos de ter nas relações em casa e na sociedade está agregado aos produtos e serviços vendidos pela propaganda”. E, portanto, comprados por nós, consumidores.

Estudar o consumo sob este viés é um prato cheio para pesquisadores. No livro “Sociedade de Consumo”, a professora Lívia Barbosa, da Universidade Federal Fluminense (UFF), destaca que o consumo está preenchendo uma função muito além daquela de satisfazer as necessidades materiais. Segundo ela, o consumo adquiriu uma dimensão e um espaço que nos permite discutir, por meio dele, questões sobre nossa própria realidade.

Parafraseando a autora, será o consumo o grande estágio da liberdade de escolha? Ou estamos diante da etapa máxima de manipulação e indução das pessoas? Terá o consumidor efetivamente escolha? Será o consumidor súdito ou rei, ativo ou passivo, criativo ou bem orientado e adestrado?

Boas reflexões. E para quem ainda não resolveu o que dar de presente, boas compras também. Espero que a sua mãe realmente fique feliz com o presente que vai ganhar de você. Surpreenda!

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Prof Jean Marlos
Prof Jean Marlos
12 anos atrás

Parabéns pela coragem de analisar o fenômeno, penso como você utilizai o texto ontem 08 de maio para exemplificar minha posicão em relação a se transformar as datas comemorativas em datas de consumo.

Diana
Diana
13 anos atrás

Amei a matéria pois acho certissímo algumas pessoas ainda se preocuparem com o verdadeiro espírito de Dia das Mães. Tudo bem elas merecem. Claro que sim, mas esse dia não precisava se tornar uma mega multibilionário dia para os comerciantes que vão desde as pequenas ofertas de R$ 1,99 até jóias, carros etc…
Como está bem claro e tenho certeza q pouquissímos sabem o Dia das Mães foi criado por Anne com uma intenção de seus filhos se preocuparem com suas mães vivas ou mortas. Mas depois de alguns anos, ela mesmo tentou refazer o q já tinha feito pois viu q o sentimental das pessoas já tinha sido destruído pela mídia e pelos persuasivos presentes.
Hoje é impossível esquecer essa data já que a TV nunca esquece (Ela e sua parceira = As lojas )

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