Por Maria Inês de C. Delorme
Pós-doutorado na área de Infância.
Professora da rede publica municipal do RJ e da Faculdade de Educação da UERJ.
Apoiar a adoção é um dever de amor, mesmo no caso de famílias sem experiências de adoção. Talvez esse seja um dos temas que tangencie uma unanimidade, não mais apenas envolvendo adoção de crianças, mas também de animais. Claro, entre crianças e os outros animais há processos de adoção bastante diferentes, com níveis de compromissos também diferentes e em todos os casos, temperados de complexidades.
Sabe-se que adotar uma criança exige uma disponibilidade interna que precisa reunir amor, compromissos e responsabilidades por parte dos adultos. E, não é pouco comum que eles se perguntem, durante o processo de adoção, se amarão os filhos adotivos como já amam os biológicos, quando é o caso, ou se amarão como se o fossem. As pessoas que têm filhos, biológicos e não biológicos, sabem que o amor é construído no cotidiano, na relação diária entre mães, pais, filhos, irmãos, tios, amigos, vizinhos, avós.
Mas, eventualmente pode passar pela cabeça de alguns adultos, nesse processo de adoção, se as crianças a serem adotadas irão amá-los como pais e mães “verdadeiros”. Será que ele, ou ela, vai gostar de mim? Vai nos identificar como pai e mãe? E para essa dúvida, vale a mesma reflexão. Também as crianças aprenderão a amar seus pais e irmãos a partir da vivencia cotidiana de afetos, cuidados e compromissos que irão se estabelecer, em que o amor vai se construindo no passo, se fortalecendo no percurso. Pais, irmãos e filhos se adotam mutuamente, como precisa acontecer também com os filhos biológicos que afetivamente, desde que são gerados, depois que nascem e ao longo da vida deverão ter sido adotados amorosamente pela família. Ter o mesmo sangue e as marcas genéticas dos envolvidos não garante essa adoção amorosa, integral e definitiva.
As crianças pensam e sempre têm o que dizer sobre o mundo delas, sobre o dos adultos, sobre episódios que mobilizam as pessoas dos seus e de outros tempos. Elas também podem falar sobre adoção, como vejo acontecer. Quando assisto a propaganda da Coca-Cola que está no ar, onde há uma criança negra, um pai e uma mãe brancos, tentando conversar sobre adoção, fico assustada. Não pelas diferentes etnias, mas pelo uso dessas diferenças étnicas, nessa publicidade, como um recurso para remeter o telespectador à ideia de um filho não biológico. Não acho a melhor forma de abordagem, mas não me parece o mais grave.
Assustador é o discurso da linda menina negra, com uma fala totalmente adulta, forjada por adultos para expressar e esclarecer o que os pais não conseguem dizer. Independente do teor do que é dito pela criança, o texto é adulto, dito pela criança que deve tê-lo decorado para aparecer na televisão e talvez, também, para ganhar um cachê.
O uso de crianças em propagandas televisivas muitas vezes é desrespeitoso e maquiado. Nenhuma criança daquela idade, daquele tamanho saberia formular uma frase daquela forma e isso enfraquece, a meu ver, a compreensão maior da adoção, o respeito às crianças e, também, o produto que discretamente veiculam. A Coca-Cola já não faz bem às crianças, agora nem aos adultos, nem à adoção.