Em busca de novos escritores

Game literário acontece nos morros cariocas ocupados pelas UPPs. Prêmio: lançar uma coletânea na Festa Literária que acontecerá em novembro.

Está marcada para novembro – entre os dias 8 e 11 de novembro – a Festa Literária das Unidades de Polícia Pacificadora (FLUPP), um evento que pretende promover a leitura nas favelas cariocas que já receberam as UPPs. Mas desde abril a leitura já faz parte das comunidades, envolvendo jovens e adultos. Trata-se da FLUPPensa, uma espécie de game literário que busca despertar e encontrar novos escritores tanto das periferias quanto da polícia militar e civil.

Até novembro, serão realizados 13 encontros (três já aconteceram) com os 100 participantes inscritos (50 policiais e 50 moradores das comunidades). Em cada evento, os participantes têm um desafio literário,  proposto pelos escritores que integram o projeto e que é avaliado por uma banca examinadora. Em cada encontro, o escritor convidado conta como o seu processo de criação, produção e sua experiência profissional.

O lançamento do projeto aconteceu no dia 3 de abril, no Morro dos Prazeres, com a participação da escritora Ana Maria Machado, atual presidente da Academia Brasileira de Letras. Houve um segundo encontro, no dia 14 de abril. Na ocasião, os participantes da Gamboa receberam o crítico e jornalista Rodrigo Fonseca. No dia 28 de abril, foi a vez da Cidade de Deus. A palestra foi comandada pelo escritor André Vianco. As duas próximas acontecem no dia 4 de maio, no QG da Polícia Militar, e no dia 5 de maio, no Complexo da Maré. Os dois encontros contarão com a presença do roteirista Bráulio Tavares. (leia abaixo a expectativa do escritor sobre o evento).

No final dos 13 encontros, os 30 melhores pontuados – 15 policiais e 15 moradores – terão seus textos publicados em uma coletânea a ser lançada na abertura da FLUPP, em novembro. “Vencerão os trinta que fizerem mais pontos ao longo do processo que não será eliminatório, porque achamos importante, e raro, que neste processo de formação literária, os jovens da periferia sejam expostos a autores complexos. Mesmo quem não pontuar o suficiente para ter seus textos publicados será vencedor”, disse Julio Ludemir, coordenador do projeto ao Observatório de Favelas.

Literatura como auto-expressão

Por e-mail, Bráulio Tavares contou à revistapontocom o que espera do encontro e como ele vê essa aproximação da literatura com as comunidades cariocas que já receberam as UPPs. Confira:

“Já participei de muitas iniciativas parecidas, e talvez a mais recente tenha sido na Universidade das Quebradas, a convite de Numa Ciro e Heloísa Buarque de Hollanda, aqui no Rio de Janeiro. Pela experiência que tenho, a maioria das pessoas envolvida nessas atividades vê a literatura como uma forma de auto-expressão. Querem falar de si mesmas, mas não querem falar do próprio umbigo ou de inquietações existenciais, embora estas possam estar presentes; querem falar de um modo concreto do mundo em que vivem, das dificuldades que enfrentam, das esperanças que têm. Em suma: a maioria quer fazer uma literatura (seja romance, conto, poesia) que de certa forma explique, discuta, questione o mundo em que vivem. Não querem fazer literatura escapista. Isto coloca várias questões interessantes, porque, como se sabe, eu me dedico principalmente ao estudo da literatura fantástica e de ficção científica, ou seja, um tipo de literatura considerado “irrealista”, fora da realidade, uma literatura que dá as costas ao mundo real, fecha os olhos à vida real. Meu desafio é mostrar que não é bem assim. A literatura fantástica extrai suas imagens do nosso inconsciente, reflete nossos medos, nossos traumas, nossas fascinações ocultas. E a ficção científica é, cada vez mais, no mundo de hoje, a única literatura que fala da totalidade do presente, mesmo quando suas histórias se passam em outros planetas ou num futuro remoto. Acho que as pessoas podem usar a literatura como uma interface entre elas e o mundo. Um território onde elas jogam uma parte de si mesmas, uma parte do mundo que conhecem, e ficam mexendo aquilo num caldo de palavras, fervendo, para ver o resultado”.

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