Por Marcus Tavares
Em 2012, a professora Paula Sibilia lançou o livro Redes ou Paredes – a escola em tempos de dispersão (Editora Contraponto). A obra é instigante, pois aborda um tema polêmico: para que serve a escola? De acordo com Sibilia, professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), o livro analisa, de um lado, os fatores envolvidos na crescente incompatibilidade entre os novos modos de ser e estar no mundo e, de outro, as já antiquadas instalações escolares, com suas regras, valores, premissas e ambições definidas há cerca de duzentos anos. Tais fatores desencadeiam na atual crise pela qual a escola atravessa. Para Sibilia, uma das mais profundas.
Na semana em que as escolas de todo o país retomam as atividades e os professores replanejam suas atividades para o novo ano letivo, a revistapontocom resolveu conversar com a professora. Afinal, tal crise apontada por ela, em seu livro, se mantém? A crise se agravou nos últimos dois anos? Afinal, qual deve ser o papel da escola neste século XXI? A presença e o uso das novas tecnologias podem favorecer mudanças positivas?
Acompanhe a entrevista:
revistapontocom – Em seu livro Redes ou Paredes, a senhora lista os fatores que colaboram para a chamada ‘crise da escola’. Passado um ano, como ‘anda’ esta crise?
Paula Sibilia – Acho que a situação não mudou muito, não. Creio que o diagnóstico que esbocei no livro continua vigente, talvez apenas mais acentuado por conta da multiplicação dos sintomas e dos debates. Quem mudou fui eu, como autora do livro, pois as inúmeras conversas que tive a partir dele (com outros docentes, alunos de todos os níveis de ensino, jornalistas, o público de minhas conferências, colegas etc.), além do que tenho lido e escrito neste período e das reflexões que foram se delineando a partir de tudo isso, aumentaram minha experiência e meu contato com este universo, dando vazão a novas ideias e possíveis desenvolvimentos para esta problemática. Tudo isso é extremamente positivo. Tenho percebido que, além da perplexidade e da angústia que esta situação costuma provocar, há uma grande inquietação criativa em torno da tal “crise da escola”, algo que está gerando muita vontade de discutir, pensar, ensaiar, experimentar e inventar outras formas de aprender e ensinar.
revistapontocom – Mas afinal, professora, que crise é esta pela qual a escola atual passa?
Paula Sibilia – A instituição escolar é algo extremamente complexo e suas manifestações são muito variadas. Nela convivem, há pelo menos duzentos anos, milhões de pessoas de todo o planeta, portanto, é evidente que sempre teve “problemas” dos mais diversos tipos. No entanto, creio que isto que hoje chamamos de “crise” é algo especial, bem característico de nossa época, pois dá conta de um conflito inédito. Trata-se da fricção entre uma instituição projetada há muito tempo para fornecer certo tipo de sujeitos considerados “úteis” à sociedade industrial e os corpos e subjetividades das crianças e jovens de hoje em dia, que se diferenciam em vários sentidos daqueles dos séculos XIX e XX. Isto é o que eu chamo de “incompatibilidade”, ou seja, um desencaixe entre esses sujeitos contemporâneos e um artefato escolar que se tornou antiquado. É claro que, quando faço alusão aos sujeitos contemporâneos, estou me referindo às crianças e aos jovens em idade escolar, mas não apenas a eles, pois acredito que esta transformação nas subjetividades envolve também os docentes e os pais, embora de forma talvez menos intensa ou óbvia. Com a popularização dos dispositivos móveis de comunicação e informação, essa “incompatibilidade” se fez ainda mais flagrante, tornando a tal “crise” cada vez mais insuportável. Em decorrência disso, os relacionamentos escolares se deparam com situações insustentáveis. Porém, repito: apesar da dificuldade que implica o fato de termos que lidar, no dia a dia, com esses atritos, e do esforço que demanda tanto por parte dos professores quanto dos alunos e dos pais, cada vez mais tendo a ver esse incômodo como algo positivo. Nem que seja porque tal cenário está nos forçando a pensar nisso e a procurar outras formas de configurar a velha relação de aprendizado.
revistapontocom – Pode-se dizer que esta crise se deve ao fato de que a escola como projeto de emancipação existencial do ser humano, como a senhora destaca no livro, não existe mais?
Paula Sibilia – Isto que nomeamos “crise da escola” faz parte de um conflito maior, que envolve a crise geral de um tipo de sociedade. Em certo sentido, é o próprio projeto moderno que está se desmoronando. É verdade que este tinha, entre seus pilares, objetivos nobres como a “emancipação existencial do ser humano”, que você menciona. Porém, tampouco podemos ignorar que essas boas intenções vêm sendo desmascaradas ao longo das últimas décadas, com críticas radicais procedentes de todos os campos: Filosofia, Artes, Política, Ciências Sociais. Foi a partir das revoltas dos anos 1960, em boa medida dirigidas à própria escola, que o solo institucional que sustentava essa estrutura começou a tremer e a desabar, incluindo aí a contestação aos vários de seus ingredientes fundamentais. Refiro-me ao respeito a priori às hierarquias representadas por figuras de autoridade como o pai, o professor e o diretor, por exemplo, bem como às normas pautadas por regulamentos estritos no que se refere aos usos do tempo e do espaço tendentes a “disciplinar” os corpos em instituições fechadas e amparadas pelo poder centralizador do Estado. Essas críticas chegaram a atingir a própria noção de “emancipação” que latejava no coração desse projeto tão moderno quanto capitalista e industrial. Como falei antes, creio que essa conquista é fruto de lutas importantes que nos trouxeram até aqui, cuja relevância não deve ser menosprezada. No entanto, também não podemos ignorar que outras forças entraram em jogo nestes últimos anos, ocupando parte do terreno que fora libertado dessas velhas amarras. Penso, particularmente, na intromissão do mercado em terrenos até então vedados, chegando agora a pautar boa parte dos critérios que redefine os projetos pedagógicos. Considero que isso é muito perigoso e que deveríamos lutar para preservar os espaços de liberdade que conseguimos resgatar com tanto sofrimento. Como? A resposta não é simples, claro, mas creio que está sendo ruminada por muita gente. Eis uma pista: inventando formas de dialogar, pensar e aprender que não sejam facilmente capturáveis por essas armadilhas.
revistapontocom – Ensinar a pensar não seria o caminho a ser trilhado? A escola do passado, de certa forma, não tinha esse papel?
Paula Sibilia – Não sei se a escola que se considerava “sem crise” conseguia ensinar, realmente, a pensar. Isso é algo muito difícil, talvez seja até impossível. O que me parece possível, sim, e acredito que seria desejável, é ajudarmos a criar as condições para que o pensamento aconteça. Também não é fácil, claro, mas em algum sentido poderíamos dizer que talvez seja mais possível conseguir isso agora do que antes, quando os regulamentos estritos, as severidades disciplinares e as hierarquias autoritárias tinham mais legitimidade e, por isso mesmo, o sistema escolar “funcionava” com maior eficácia. Mas isso não implicava, necessariamente, que em tais condições se produziria pensamento: isso não estava garantido, de jeito nenhum. E, como sabemos, em muitos casos o trabalho da escola se considerava bem-sucedido por outros motivos, tendo instruído e inculcado certos valores nos futuros cidadãos, sem que estes tivessem aprendido exatamente a pensar. Já na situação escolar atual, apesar do ruído, é evidente que se abriram novas possibilidades de diálogo entre professores e alunos, instâncias que antes estavam bloqueadas. No entanto, outros problemas surgiram e se expandiram de modo inédito. Penso na dispersão, por um lado, e naquela “captura pelo mercado” que mencionei antes, por exemplo, que dá origem a todo um novo leque de problemas e desafios que compõem esse quadro que chamamos de “crise da escola” e que, sem dúvida, temos que enfrentar.
revistapontocom – Às vezes, temos a impressão de que há pessoas e ou instituições que lutam pela não promoção da escola, do ato de educar, de ensinar a pensar…
Paula Sibilia – Não acredito que haja um “plano diabólico” por trás disto, não creio que isto esteja acontecendo porque alguém decidiu que seria melhor para obter algum resultado qualquer. Acredito sim, porém, que se trata da consequência de uma série complexa de fatores históricos, que também envolvem decisões, claro, inclusive políticas, mas não apenas isso. Trata-se, sobre tudo, de transformações referidas ao projeto de mundo em que vivemos, e que afetam particularmente a constituição das subjetividades contemporâneas – estas que, de acordo com minha hipótese, tornaram-se “incompatíveis” com o dispositivo escolar. Assim, hoje a escola virou uma espécie de depósito de crianças, para que os pais possam desenvolver suas atividades sem ter que se ocupar delas; no melhor dos casos, acabou virando uma máquina preparatória para o vestibular ou seus equivalentes, algo que costuma ser sintetizado como “preparação para o mercado”. Enfim: um projeto sem dúvida pobre, comparado com as metas ambiciosas que inspiraram a criação da instituição escolar, tais como a emancipação do ser humano, a formação dos
cidadãos modernos ou, inclusive, ensinar a pensar.
revistapontocom – Qual seria então o papel da escola dos dias atuais?
Paula Sibilia – Cada vez mais, creio que a escola – caso ela venha a sobreviver a este turbilhão – deveria ser capaz de oferecer aos alunos algo que eles não encontram em suas casas, na rua, na internet, na mídia. Ou seja: algo inusitado que eles só poderiam achar dentro dos muros do colégio. Isto daria sentido à escola, percebe? Esclareço que estou propondo aqui algo ambicioso, já que o lado mais positivo deste impasse que chamamos de “crise da escola” é precisamente a fresta que se abre na estrutura compacta do que já conhecemos. Fresta que permite pensar novas alternativas, com ousadia. Quando digo que a escola deveria oferecer às crianças e aos jovens algo que eles não conseguem em outras partes, penso no acesso à maravilha, ao insólito, ao impensado, a tudo aquilo que poderia vir a ser capaz de ampliar o campo do pensável e possível. Pode ser o caso da literatura e da filosofia, por exemplo, campos de saber que dificilmente as crianças de hoje em dia chegariam sozinhas. Sabemos dos milagres que um bom professor de literatura ou filosofia pode fazer com qualquer um, algo que foi celebrado em inúmeros filmes, peças e romances, por exemplo. Mas é claro que a maravilha não se limita a essas áreas: isso também pode surgir numa boa aula de física, química, matemática, artes, astronomia ou biologia. O problema é que tudo isso foi tão desacreditado, que até os próprios docentes ou os encarregados de definir as políticas educacionais deixaram de acreditar nessa potência, para não falar dos próprios alunos e de seus pais. Não nego que existam fortes motivos para essa frustração, mas o que estou propondo é que devemos tentar abrir ainda mais as possibilidades de questionamento que surgiram com esta crise e que aproveitemos a oportunidade para fazer perguntas mais profundas e propostas mais audazes. É curioso, mas quase todos parecem concordar em que a panaceia virá com a incorporação das “novas tecnologias” ao âmbito escolar: computadores, celulares, redes sociais, internet e meios de comunicação em geral. Ou, então, de um modo mais geral ainda, acredita-se que a urgente “atualização da escola” ou sua “compatibilização” com as subjetividades contemporâneas deveria enfatizar a “preparação para o mercado”, eliminando assim tudo o que ainda haveria de “inútil” nos ensinamentos escolares mais tradicionais. Não nego que os currículos escolares e, sobretudo, o modo de funcionamento dessa instituição, estejam defasados dos ritmos de vida atuais, mas minha provocação aqui é mais radical. Será que nossos esforços devem se dirigir a ajustar a escola para que ela “funcione bem” no mundo contemporâneo, apostando nas tecnologias, nos meios de comunicação e no mercado, por exemplo? Ou, em vez disso (ou, talvez, além disso), por que não aproveitamos esta crise para delinear novas estratégias? Com isto quero insinuar que talvez não precisemos de uma “solução”, no sentido de tentarmos compatibilizar escola e mundo para que ambos voltem a funcionar mais ou menos harmoniosamente; mas, quem sabe, poderíamos reformular essa estrutura imensa que ainda está aí, mais ou menos de pé, para inventar algo mais interessante e fazer outras coisas com nossos jovens. Claro que eu não tenho “a solução”, suspeito que provavelmente ninguém a tenha, mas também creio que pensar e discutir acerca do problema sob as perspectivas mais variadas já é bastante, por enquanto.
revistapontocom – Estamos iniciando mais um ano letivo: o que o professor, no seu pequeno grande universo da sala de aula, pode fazer para mudar a escola que aí está?
Paula Sibilia – Tenho certeza que muitos professores estão inventando coisas novas com seus alunos, no dia a dia da sala de aula, e nas mais diversas escolas que existem no mundo. Criar as condições para que se produza um diálogo que possa levar ao aprendizado ou ao pensamento não é fácil, porém também não é impossível. Não tenho dúvidas de que isso está acontecendo de modos inéditos por toda parte. Aprender é algo fascinante, talvez seja o que há de mais maravilhoso que somos capazes de fazer. As crianças adoram aprender. E ensinar, também! O fato de termos convertido isso tudo em algo “entediante” é um absurdo, tomara que sejamos capazes de reinventar esses prazeres. Se isso vai ocorrer na escola ou não depende, em grande parte, de todos nós.
Embora bastante interessantes as observações da professora Paula Sibilia, sob determinado aspectos, me reservo ao direito de fazer algumas observações. 1- Trabalho como educador há mais de 35 anos, e acredito piamente na necessidade vital do estudo permanente, para o educador se manter constantemente atualizado, de maneira que tenho procurado estar sempre em sintonia com questões educacionais contemporâneas, realizando leituras frequentes, participando de Cursos, Simpósios e Seminários. E escuto com muitas restrições, o discurso de que a Escola atual é velha e ultrapassada. Que a formação do educador é arcaica, e que as tecnologias vão levar o mundo a pós modernidade. Devemos lembrar que os educadores, alunos e direções que transitam no espaço escolar, são contemporâneos. Sofrem ações diretas do mundo atual em seus cursos, seus discursos e formações. Acreditar que as tecnologias e a globalização vão varrer as Escolas do planeta e metamorfosearam as subjetividades humanas, me parece muito mais apologias aos paradigmas neoliberais. Onde a criança aprenderá online (EAD – Ensino à distância), ausente de mediações humanas, com informações repletas de ideologias da classe dominante! Essas reflexões, me deixam em oposição ao paradigma da “Escola Museu”. Mudanças são bem vindas, sim! E devem se processar no espaço escolar! Aliás, creio que estão sendo processadas… 2- Trabalho atualmente no Ginásio Experimental Olímpico Juan Antônio Samaranch (Escola vocacionada para o esporte, da Rede Municipal do Rio de janeiro). Essa Escola vem surpreendendo diariamente a mídia e os sistemas de ensino mais modernos, com seus resultados educacionais. O objetivo maior é a formação do aluno -atleta – cidadão! Com muita disciplina, diálogo, competência, empenho e seriedade (E tecnologias…); lista entre as melhores do topo da cadeia educacional (Entre as Escolas municipais e particulares)! Era uma Escola tradicional (Japonesa), que criou asas, através de sua Direção, Comunidade, Professores, Funcionários e Educandos! Evidenciando que o material mais importante nesta transformação, foi o humano! Tecnologias são importantes, sim! Mas não fazem nada por si só… Pessoas transformam pessoas, Escolas, Comunidades e quiçá, o mundo! Nada contra o EAD, Mídias e Tecnologias. Mas a prioridade vital em EDUCAÇÃO, são as relações HUMANAS (Afinal, desejamos formar pessoas), e estas devem acontecer em vários ESPAÇOS, mas prioritariamente, no espaço escolar! Acabar com a Escola, ao meu ver, é acabar com a EDUCAÇÃO! Não se “educa” (Aprender a SER, CONVIVER, FAZER E CONHECER) à distancia! No máximo, se ENSINA… Pensar em um novo modelo de educação, sem Escola (Pessoas interagindo dinamicamente!). É não pensar EDUCAÇÃO!