Com informações do Jornal da Unicamp
Carmo Gallo Netto
Por que a maioria dos jovens se sente motivada a curtir e compartilhar conteúdos nas redes sociais e não tem a mesma postura diante dos conteúdos da escola? Seria possível aproveitar o mundo virtual dos estudantes, bem como as ferramentas digitais, na sala de aula, tornando os alunos mais participativos? Estas foram as duas perguntas que nortearam a dissertação de mestrado da professora Melina Aparecida Custódio, defendida este ano no Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para Melina, “não se pode tratar o aluno como mero espectador, despejando conhecimento e informações a que ele já tem acesso através da internet. Claro que estou considerando a realidade de uma região em que a maioria dos alunos tanto das escolas privadas quanto públicas dispõem da web”, destaca.
A pesquisa de Melina começou dentro de sua sala de aula, com um grupo de alunos do oitavo ano do Ensino Fundamental, de uma escola particular de Campinas, São Paulo. Depois de ter diagnosticado o que os seus alunos faziam na internet, a professora teve a ideia de compreender possíveis relações entre as práticas letradas dos jovens no espaço virtual e a influência desse repertório na produção colaborativa de um texto escrito na escola.
Para desenvolver a atividade, a professora dividiu a turma em grupos e propôs que cada um criasse um texto que tivesse a tragédia como tema. A proposta se baseou na leitura e releitura da tragédia de Hamlet, em Rei Lear, de Shakespeare. “A tragédia a ser produzida deverá abordar um tema de interesse do seu grupo, explorar recursos e assuntos com os quais nem os gregos (referência à tragédia grega também estudada) nem Shakespeare sonharam”, eis o desafio proposto aos grupos.
De acordo com Milena, os alunos podiam produzir a tragédia não só a partir dos conhecimentos adquiridos na escola, mas, e principalmente, a partir de suas próprias vivências. Eles foram instigados a utilizar repertórios, não valorizados pela escola, mas que faziam parte dos seus universos: entre outros, letras de música, videogames, histórias em quadrinhos de estilo japonês, os mangás, e animações produzidas no Japão, os animês.
Para acompanhar passo a passo a produção de cada grupo e propiciar um ambiente virtual familiarizado pelos estudantes, Milena fez uso da ferramenta digital Google Docs, que permitia o trabalho colaborativo dos membros do grupo, que poderiam trabalhar, à distância, ao mesmo tempo, escrevendo, comentando, modificando, (re)escrevendo. Procedimento que podia ser, inclusive, acompanhado passo a passo pela professora.
Resultado? Na avaliação da professora, a produção obtida não encontra paralelo nos trabalhos realizados rotineira e individualmente na sala de aula, em que o aluno dispõe de tempo limitado para elaborar um texto em que suas vivências culturais muitas vezes não são solicitadas.
Com o trabalho, Melina observou que a produção colaborativa, em tempo real e concomitante, colocou o aluno no papel do professor à medida que os alunos se corrigiam mutuamente, manifestando cuidados mútuos em relação à suas escritas, retomando regras gramaticais e reflexões que pareciam terem sido ensinadas em vão na sala de aula. A experiência tirou os estudantes também do papel de espectadores. Eles se tornaram, na prática, produtores que tinham encontrado a oportunidade de utilizar seus conhecimentos.
Além disso, a professora verificou que os estudantes também demonstraram motivação ao terem a possibilidade de utilizar repertórios de outras mídias e linguagens que fazem parte do seu dia a dia, de suas vivências fora da escola, muitas vezes negligenciadas. “Ao fazer o aluno compreender a importância dos seus conhecimentos e vivências e como eles podem ser utilizados na escola, propicia-se o despertar de uma paixão. A partir desse sentimento, o estudante se sente motivado a ir à escola, a trabalhar, a mostrar o que sabe e revela-se produtivo e criativo. É o que se quer desenvolver no jovem hoje: participação na sociedade, no mundo do trabalho com atitudes éticas, cívicas e proativas”, disse.
A conclusão da pesquisadora é a de que o conhecimento individualizado, hierarquizado, não motiva o aluno, não desperta interesse, não leva a uma postura proativa, não atrai. E, em boa parte dos casos, gera indisciplina. Em sua dissertação, Melina chama a atenção para a extrema importância da valorização da cultura e do dia a dia dos alunos na garantia do aprendizado efetivo, sem escamotear as questões sociais e culturais imbricadas nos mais diversos usos da linguagem. Considera essa abordagem bastante diferente daquelas sedimentadas na escola que ensinam os gêneros pelos gêneros, sem que os alunos saibam os contextos em que ocorrem e com quais propósitos.
Para ela, é importante “a discussão do papel do professor, que, frente a esse panorama, não pode mais ter sua função reduzida à transmissão de informações. A ele são lançados os desafios de conhecer as vivências culturais de seus alunos, construir projetos de trabalho que os insiram em práticas autênticas de produção de conhecimento, preparando-os para práticas bem-sucedidas de participação nas múltiplas maneiras de ser humano”.