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A educação não cabe numa tela

Por Maria Thereza Marcílio, Presidente da Avante – Educação e Mobilização Social – 09/11//2020

Vivemos um ano atípico nas escolas: elas estão fechadas desde março devido a pandemia da Covid-19. No enfrentamento à situação desafiadora, muitas instituições se organizaram para atividades não presenciais, enquanto outras, na impossibilidade de garantir que seus estudantes tivessem acesso aos recursos digitais, mantêm algum tipo de contato com os alunos e os responsáveis para não perder o vínculo. Uma situação que reforça o que já sabíamos – a educação é muito maior do que o ensino; este pode ser adaptável ao novo momento, mas a educação, que visa o desenvolvimento integral do sujeito e é acolhimento, proteção, cuidado e formação, não. Por isso, é tão estratégica neste momento de crise que vivemos.

Sim, o fechamento das escolas foi plenamente justificável, pois conhecíamos muito pouco sobre a transmissão do vírus e queríamos proteger a comunidade escolar dessa crise de saúde sem precedentes. No entanto, não podemos deixar de considerar o impacto da pandemia do novo coronavírus sobre as famílias, que estão sobrecarregadas – especialmente as mães, que na maioria das vezes acumulam a rotina de dona de casa, trabalhadora e tutora dos filhos; sobre os professores, que estão esgotados, trabalhando arduamente e em condições tão precárias. É importante também lembrar que o Brasil é o país que vem vivenciando o período mais longo de fechamento de escolas, um ano inteiro.

A ausência da escola desvelou o abismo de desigualdades que existe desde sempre e muitos resistiam em perceber. Escancarou o papel social da educação, que vai muito além da aprendizagem, afetando, também, as condições de alimentação, o suporte às famílias e segurança das crianças e adolescentes. A falta que a escola faz ficou muito evidente com o caso do menino Miguel, do Recife, que vivenciou circunstâncias comuns a muitas famílias brasileiras cujos filhos, sem o suporte da escola e impossibilitados de ficar em casa sós, precisam ser levados, geralmente com a mãe, para o ambiente de trabalho. Lá, Miguel encontrou-se com a negligência de outros e com a morte. Como tantas outras crianças, ele foi privado de um ambiente de segurança e acolhimento.

É preciso reconhecer os esforços que foram empreendidos até aqui por muitas redes e instituições de ensino para a manutenção da saúde da comunidade escolar, do currículo e do emprego neste setor que, além do papel social, movimenta a economia. Mas não é possível prolongar indefinidamente o fechamento e admitir que este modelo essencialmente virtual se estenda como solução. A realidade não cabe numa tela, pois empobrece o aprendizado e aliena os estudantes do convívio que torna a educação tão rica.

A Avante – Educação e Mobilização Social participa da articulação e é signatária do Manifesto Ocupar escolas, proteger pessoas, recriar a educação, resultado de uma convocação da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e da Associação de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped). Com esta iniciativa, queremos pensar em soluções intersetoriais que dialoguem com múltiplos saberes como a saúde e o planejamento urbano, e que contribuam para garantir a centralidade do papel da escola neste momento de crise.

Cabe a nós – professores, alunos, sociedade civil, gestores públicos – pensarmos a escola como um serviço essencial à sociedade. É preciso se apropriar da proximidade com as famílias que esta adversidade trouxe de forma a integrar os múltiplos saberes em benefício das crianças, adolescentes, jovens e adultos Brasil afora.

É possível e necessário pensar a escola para além do cumprimento do calendário e retomada do currículo. O ambiente escolar deve ser capaz de articular a formação cidadã, as aprendizagens curriculares, o acesso à cidade e a integração socioambiental. É essencial e urgente que a comunidade escolar se articule, forme comitês de crise e discuta a reabertura da escola com segurança para os profissionais da educação, trabalhadores da escola, estudantes e famílias. Na perspectiva de gestão democrática, que esta comunidade se articule com outros setores e representações. Da mesma forma, que os governos e responsáveis pela coordenação e oferta dos serviços de educação se organizem buscando soluções e escutando todos os envolvidos. É preciso ainda que na impossibilidade da presença física se equacione como a escola continuará dando suporte para a integridade física e mental de seus alunos, dos professores, gestores e demais trabalhadores.

Ainda vivemos um momento de incertezas: um governo federal omisso e negacionista, descomprometido com esta grave situação, evidências científicas insuficientes, uma possível segunda onda de contágios por vir, muitas dúvidas sobre o momento em que uma vacina estará disponível. Mas não podemos esperar. Algumas pessoas falam do “retorno às condições pré-pandemia”. Penso que nada será como antes, por isso precisamos começar a planejar o futuro que queremos agora. A educação não pode ficar de fora.





Maria Thereza Marcílio é fundadora da Avante – Educação e Mobilização Social e atual presidente da instituição, mestra em Educação pela Harvard Graduate School of Education e licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal da Bahia.

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