Por que tanta audiência?

Everardo Rocha, antropólogo e professor da PUC-Rio, fala sobre os reality shows.

 

Por Marcus Tavares

Everardo Rocha é antropólogo. Professor do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), é autor de vários livros, entre eles O que é etnocentrismo?, Magia e Capitalismo, Representações do consumo, O que é mito? e A sociedade do sonho. A revistapontocom conversou esta semana com o professor. Objetivo: discutir, à luz da Antropologia, o interesse das pessoas pelos reality shows, mas especificamente o interesse dos brasileiros. O debate não é à-toa, a maior rede de televisão do país, a Rede Globo, acaba de estrear a 12ª edição do Big Brother Brasil, que já na primeira semana alcançou as páginas dos jornais e da concorrência com o suposto caso de estupro entre participantes da casa.

Como explicar a audiência? Qual é o impacto do programa no dia a dia das pessoas? O que dizer das críticas que a programação recebe? Trata-se de um reality show ou é mais um entretenimento narrativo ficcional?  Confira as principais ideias do professor.

Acompanhe:

Voyeurismo
Talvez, a coisa que o ser humano mais goste de fazer é ver a vida do outro, observar. Gostamos de olhar uns aos outros, seja no shopping, na praça, nos bares e boates. Adoramos ver e ser visto. E quando falamos de cultura brasileira, essa característica é mais evidente, acentuada. Não por acaso, o programa faz muito mais sucesso aqui do que em outros países. Nossa cultura é muito mais enxerida. Muito mais relacional, como costumamos falar em antropologia.

Novela e reality show
Toda telenovela é uma espécie de exercício de voyeurismo e os reality shows seguem o mesmo passo. É claro que os reality shows não contam com a qualidade dos atores profissionais da teledramaturgia, mas chamam a atenção pela interação maior que estabelecem com os telespectadores. O diferencial parte do mesmo entretenimento: olhar a vida alheia. Há as clássicas: as telenovelas. E outras, como os reality shows.

Big Brother Brasil
O BBB consta da grade da Rede Globo, a principal rede de televisão do país. É um reality show que permite o voyeurismo de uma forma bem intensa, 24 horas por dia. Portanto, é natural que agrade. É natural que esse tipo de produto dê certo. É previsível que este formato tenha sucesso. O programa permite a sensação de poder, de fofocar, de saber de tudo e de todos, dos dramas, das alegrias. Dá a sensação aos telespectadores de um falso poder sobre aquelas pessoas, de controle, podendo intervir, tirar do programa o participante que não agrada. Além disso, o programa também se destaca por conta do horário em que é exibido, num horário em que não há muita coisa para se ver na televisão aberta.

Real e verdadeiro?
No modelo proposto pelo programa, tudo ali é verdadeiro, é real. Mas, na prática, sabemos, é irreal. É uma situação de laboratório. Temos uma sensação de realidade, mas não é. No fundo, todo aquele espaço é experimental. Muitos dos participantes que estão ali não teriam condições de morar numa casa daquela, de, inclusive, morar juntas durante tanto tempo, sem fazer nada. Estamos todos vendo um negócio ficcional. Portanto, aquelas pessoas, embora não sejam atores, estão de certa forma atuando. E é claro que a narrativa da edição que nos chega é embalada numa narrativa de teledramaturgia. Tudo é ficcional. O que podemos, inclusive, observar nas palavras do apresentador. O Pedro Bial fala na nave big brother, no planeta big brother. São termos que nos remete a coisas ficcionais, que mostram o quanto são exóticas aquelas experiências, o quanto são de outro mundo, de outro planeta, portanto fora de nossa realidade.

As críticas
É interessante recorrer a dicotomia de Umberto Eco, que nos traz o grupo dos apocalípticos e dos integrados. Em resumo, segundo o grupo dos apocalípticos, a produção cultural, a indústria da mídia, provoca todo tipo de males físicos e ou psíquicos. Já os integrados vêem a produção de uma forma positiva. Acredito que não devemos colocar os fenômenos sociais no banco dos réus. Deveríamos entender a lógica do fenômeno e não dizer simplesmente que é bom ou ruim, que gosto ou não gosto. Temos que tentar compreender o fenômeno. O papel de quem estuda é compreender a lógica social do fenômeno. Os mitos gregos faziam bem ou mal aos gregos? Isso não está em questão. Não julgamos, mas, sim, analisamos. Isso é que deve orientar os estudos de fenômenos como a comunicação de massa.

Qual é a lógica do BBB?
Um voyeurismo elevado e exacerbado. O sentimento de gostar ou não de uma pessoa sem nenhuma lógica, digamos, racional. A noção de poder sobre as pessoas e sobre quem eu não gosto. Posso deletar aquela pessoa apenas com um clique na internet, sem o menor custo.

Banal, nada além disso
O que isso pode impactar na vida das pessoas? Na verdade, não há nenhum grande impacto. Trata-se apenas de um programa de televisão. Nada que irá causar uma grande transformação. É uma coisa muito mais banal do que a gente supõe. Transformação, talvez, só para quem ganha o programa. Nem há tanta repercussão assim. Talvez, tenham passado por lá cerca de 150 pessoas. Se você se lembrar de uns dez participantes já é muito. O BBB é parte deste grande complexo que é a mitologia contemporânea, a indústria cultural que faz parte do nosso mundo.

TV não assusta
Acho que o educador deve analisar, tentar compreender, não julgar. Outra coisa importante é mostrar o quanto é banal o programa. Esse deslumbramento não é positivo. É preciso lembrar que para fazer parte da grade da tevê, o programa, qualquer programa, tem que ser comum, não pode impactar, assustar a audiência. A programação tem que ser confortável ao telespectador. Ninguém liga a tevê para levar susto. A televisão tem o objetivo de ser confortável, tranquila, ao trazer o entretenimento. O que seria um programa de qualidade? Gostaria de deixar isso para as pessoas que estudam este assunto. A contribuição que podemos dar é fazer uma análise não congestionada de preconceitos, não exagerada. Uma análise bem feita contribui, dá subsídios aos, digamos, engenheiros sociais, para encontrar caminhos mais interessantes para a tevê. Sempre se pode fazer melhor? Mas o que é melhor? Os críticos sabem a fórmula?

TV comercial é comercial
Sei que as emissoras de tevê são concessões públicas, mas temos que ter a clareza que a televisão comercial não é feita para educar o povo. Temos que deixar de ter essa ilusão. Concessão pública ou não, ela tem um compromisso comercial. Neste sentido, nem os telejornais escapam. Os telejornais têm os seus produtos que vendem. Vírus, violência, confusão política vendem. É normal que se busque lucratividade.

TV ou bomba atômica?
Nossa sociedade, sim, dirão os arqueólogos do futuro, fez um investimento muito forte nos modos de observação da vida alheia, na tele-visão, na ideia de observar e participar com distância, através de máquinas. Vamos julgar isso desde agora? Vamos mudar o rumo? O que é mais incrível: a observação por meio das máquinas ou a capacidade de destruir o Planeta? Em mais de 100 mil anos de história humana na terra, nenhuma outra cultura investiu tempo, recursos e conhecimento para inventar formas e para criar artefatos capazes de destruir o Planeta. Esta é a nossa cultura. Não sei se é para chorar ou para rir, mas, com certeza, é para tentar compreender. Uma coisa é certa: a melhor forma de nos transformar é por meio do conhecimento. O papel do educador é dar essa consciência, trazer o equilíbrio. Ajudar a construir um olhar de compreensão, não preconceituoso. Discutir com os alunos sobre o que é o BBB é melhor do que ser a favor ou contra. Eis o desafio de todo educador que lida com conhecimento.

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Gênio 12
Gênio 12
12 anos atrás

Programas como Big Brother, nunca deixarão de exercer a imbecialidade alheia e ao vivo.

Charlis Magno
12 anos atrás

Bom amigos, difícil é deixar de comentar, mas a sociedade brasileira está indo ao caos diante de tanto banalismo que consumiu a cultura do nosso pais.

Conversava com minha esposa o motivo de tanta violência, injustiça, analfabetismo, o principal problema é que agimos como o nosso comentarista principal Marcus Tavares ao implicar dizendo: “Na verdade, não há nenhum grande impacto. Trata-se apenas de um programa de televisão”. Isso é um dos objetivos principais que a tv transmite a você, não se escandalizar, e simplesmente aceitar. O que devemos realmente mostrar é nossa indignação por uma porcaria dessa que é o BBB, fico pensando na mente das pessoas que sujeitam-se a isso, parecem centenas de robôs programados para uma só missão: “Tal hora todos os robôs tem que ligar sua tv para o BBB sincronizadamente.

Amigos, nós que nos somos prejudicados com algo dessa natureza que não trás crescimento as nossas vidas, na vida de nossos filhos, e na integridade do nosso pais tem que ser explicita nossa indignação. Nós podemos mudar isso, temos que para de ter medo e agir e usar o que temos para acabar com tais situações.

Os senhores poderão acessar o youtube na entrevista de Antônio Veronese, ele discute sua indignação por um país que deveria está preocupado com cultura e educação, mas vive numa platitude imensa que consome o pouco de bondade e caráter que ainda existe no ser humano.

Vemos que rumo toma o nosso pais, o que é interessante é não vermos espaço na tv para cultura por exemplo: Villa expectativas, Drummond Andrade, Vinícios de Moraes e outros. Na verdade, o povo não gosta de porcaria o povo consome aquilo que é dado. Devemos ter preocupação de não nos contaminar com esta sujeira toda, fico envergonhado com Pedro Bial um homem inteligente e culto sujeitar-se a essa porcaria, e vejamos o conteúdo de nossas emissoras que destroem as famílias, criam expectativas falsas, influenciam nossas crianças. Certa vez numa entrevista Ex-Deputado Clodovil Hernandes falava ao ser entrevistado pela record o que achava da tv, sua resposta já estava na ponta da língua “A tv é uma grande prostituta” entra na sua casa facilmente e destrói os relacionamentos bons.

Bom amigos, pra finalizar devemos está atentos ao que as emissoras transmite para nós, certamente estão nos preparando, nos acostumando para algo bem maior que eles planejam, saibam que o mal está em toda parte emcoberto com uma capa linda e refletida para agradar a todos.

Título da entrevista de Antonio Veronese: BBB – Masturbação Nacional – Antonio Veronese.
Deus abençoe a Todos!!!

Rute Miriam Aalbuquerque
Rute Miriam Aalbuquerque
12 anos atrás

Claudius, adorei sua manifestação. Considerei a “abordagem antropológica” complacente com a mediocridade. Para “analisar” o BBB é necessário dar audiência ao programa. É uma proposta dramática! Penso que temos outras opções. E muito me chamou a atenção a afirmação do antropólogo: “Na verdade, não há nenhum grande impacto…”
Que instrumentos temos para medir os impactos?
E se o assunto é direcionado às educadoras e educadores, sabemos por vivência e por experiências, que educação não se faz com grandes impactos, mas com persistência, acúmulo, repetição, rotina e vida real.

Claudius Ceccon
Claudius Ceccon
12 anos atrás

Ora…

“Sei que as emissoras de tevê são concessões públicas, mas temos que ter a clareza que a televisão comercial não é feita para educar o povo. Temos que deixar de ter essa ilusão. Concessão pública ou não, ela tem um compromisso comercial.” diz o antropólogo Everardo Rocha.

A concessão outorgada a qualquer grupo que deseje explorar comercialmente uma emissora de televisão é feita mediante condições claramente estabelecidas. Entre elas, que a televisão, comercial ou não, tem finalidades educativas e culturais. Programas de qualidade – o BBB não sendo um exemplo dessa categoria – podem muito bem ser patrocinados por anunciantes e gerar lucros para estes e para os proprietários da televisão, atendendo ao que nosso caro antropólogo chama de “compromisso comercial”. Nada contra.

O paralelo entre o teatro grego e a nossa novela está no fato de que em ambos estão codificados dramas humanos – com maior ou menor qualidade, talento e desejo de exprimir algo mais do que uma simples história. O teatro grego não precisava vender sabonete, cerveja ou produtos das Casas Bahia, nem agradar aos poderosos de plantão ou, muito menos, os ricos ocasionais. O que seus autores, teatrólogos, historiadores, filósofos e poetas, nos legaram continua atual, vinte e cinco séculos depois, ajudando-nos a entender a complexidade da natureza humana e nos dando elementos para pensar em nós mesmos e nossa participação nos destinos da sociedade em que vivemos. Será pedir muito dos roteiristas-dramaturgos atuais? Temo que se aceitarmos considerar o “compromisso comercial” como inelutável, justificando qualquer tipo de produto, estaremos adotando valores que não são os melhores a que devemos aspirar.

Por que uma pessoa como o Bial, inteligente, culto, com uma posição dentro da Globo que lhe permite propor o que quiser de mais criativo e consequente, optou por estar à frente de um programa tão espantosa e constrangedoramente fútil e de tão baixo nível? Por dinheiro? Nenhum dinheiro apagará esse fato de sua biografia.

Resta discutir o que é qualidade na televisão. É um assunto que interessa a todos. Para ter exemplos de programas de qualidade não precisamos recorrer à BBC, à ARTE, ou à PBS, emissoras às quais a esmagadora maioria do telespectador brasileiro não tem acesso. Para esclarecer essa questão, basta ver o que o Núcleo Guel Arraes produz na TV Globo, ou a qualidade das minisséries, ou a de alguns programas como Roda Viva e Observatório da Imprensa (infelizmente jogados para horas tardias), ou em bem sucedidos casamentos da TV com o cinema, a exemplo do que acontece em países europeus. Esse casamento, aqui mesmo, tem resultado em alguns dos melhores filmes já produzidos entre nós.

Ter qualidade não é ser chato, não é ser pedante, nem hermético. Mas é indispensável ter talento. Precisa de cabeças pensantes e consequentes. E de nenhuma complacência com mediocridade e baixaria.

Claudius Ceccon
Diretor do CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular
http://www.cecip.org.br

Eduardo Magrone
Eduardo Magrone
12 anos atrás

Convenhamos e venhamos. Não sei o porquê da intenção de consultar um antropólogo para saber que não devemos ser contra ou a favor um programa bestialógico, mas sim discutir o seu conteúdo e significado. Francamente! Quanto à comparação indevida da TV com a bomba atômica, que poderia figurar em uma aula de lógica como exemplo nu de sofisma, diria que levar uma mordida de cação na praia não é nada se comparada com uma mordida de tubarão em alto mar…

Maria Al ghamdi
Maria Al ghamdi
12 anos atrás

O texto acima é muito interessante. Mas, eu tenho um bloqueio tão grande com relação ao BBB que eu simplesmente não consigo sequer discutir o assunto. Como disse a Sheyla Arruda. É perda de tempo! Fútil demais.

Sheyla Arruda
Sheyla Arruda
12 anos atrás

Manter a neutralidade diante de um programa do tipo BBB, é meio complicado, simplesmente por não acreditar que o mesmo acrescente. Na minha opinião é um desperdício de tempo.

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