Por Dolores Prades
Editora, gestora e consultora na área editorial de literatura para crianças e jovens.
Curadora e coordenadora do projeto Conversas ao Pé da Página.
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Sete coisas indispensáveis para um editor de literatura para crianças e jovens
Quando me propuseram esta pauta pensei imediatamente em quais seriam os mandamentos que todo editor de Literatura para Criança e Jovem deveria seguir para orientar o seu trabalho. Mas à medida que fui tentando entender o porquê do número sete, tão cabalístico e simbólico, com a mesma rapidez, me desfiz da ideia de mandamentos, excessivamente pretensiosa e próxima demais de um modelo, de um padrão, tão contrários à liberdade, flexibilidade que, a meu ver, devem alimentar e caracterizar um fazer editorial dinâmico e criativo. Entretanto, a ideia de identificar alguns pré-requisitos não parou de me martelar.
Como toda atividade intelectual, a formação do editor não tem hora, nem data de conclusão. Ao contrário, é um longo processo que, para além do conhecimento “técnico”, pressupõe imersões no campo da literatura, da filosofia, das humanidades em geral. Nada como um bom curso de Humanas para formar um bom editor: eis a fonte dos critérios e do repertório que vão orientar as escolhas e as decisões. Pensando nisso, identifiquei e separei alguns aspectos que podem ser, para efeito de reflexão, considerados essenciais para o bom desempenho desta função.
Em primeiro lugar, alguns aspectos mais gerais:
1. Ter familiaridade com a história da Literatura para Criança e Jovem, com o seu processo de constituição enquanto gênero literário, com as polêmicas do debate em torno de sua afirmação e das teorias à sua volta, pois nisso reside a tomada de consciência do espaço de onde pisamos e do qual estamos falando.
2. Acompanhar e refletir sobre as tendências e as características das diferentes etapas do desenvolvimento da Literatura para Criança e Jovem, nacionais e internacionais, pois isso ajuda a formar a base do repertório necessário para poder estabelecer critérios de avaliação e seleção, assumir preferência e afinar gostos.
3. Pensar historicamente na criança e no jovem, no sentido de identificar e se possível antever tendências, questões, mudanças sociais de modo a publicar livros em consonância com as inquietudes contemporâneas, de acordo com o nosso tempo, mas pensando no futuro.
Em segundo lugar, algumas questões mais específicas:
1. Conhecer profundamente e identificar as etapas, os tempos, as atribuições de cada fase do processo de edição é condição para exercer o papel de gestor e coordenador que cabe ao editor, responsável primeiro por todo o processo.
2. Dirigir e coordenar a edição de texto e de arte, o texto e a ilustração, de maneira que ambas as linguagens se complementem e se potencializem. A decisão dos pesos de cada linguagem e a escolha da técnica do traço são decisivas para o resultado final.
3. Acompanhar as tendências internacionais e nacionais das publicações e acompanhar a crítica, no Brasil, infelizmente, praticamente inexistente. Ficar atento para as mudanças do livro-álbum como suporte de inovação aos livros digitais.
4. Conhecer o mercado, identificar a concorrência para melhor se posicionar, identificar os seus leitores e demarcar a cara de seu catálogo de modo a fidelizar seu público e criar as bases para sua credibilidade no mercado.
Coerência e credibilidade caminham juntas no que se refere ao mercado. O público se identifica com uma determina linha editorial e o editor é responsável por dar continuidade e alimentar essa cadeia. Daí a importância de delimitar e definir o projeto editorial, de identificar as escolhas em consonância com uma proposta mais ampla que dê sentido e justifique cada tomada de decisão.
Essa centralidade do trabalho editorial é justamente a que faz do editor a alma de toda editora, cabendo a ele o pontapé inicial e o controle de qualidade de todas as ações que envolvem o livro do original à sua entrada no mercado.
A profissionalização do mercado editorial, a progressiva especialização das diversas áreas, a inversão dos papéis em favor de uma perspectiva puramente mercadológica, entre outros fatores, dificultam a formação desse editor, como figura central de todas as ações e decisões. Porém, é desde a subordinação do mercado à vocação cultural de uma editora que reside o seu sucesso a médio e longo prazos, e não no inverso, apesar especulações atuais.
Para fazer frente ao progressivo desaparecimento dessa figura praticamente lendária no mundo da edição, tomam corpo e ganham importância as equipes editoriais que, no caso da edição de Literatura para Criança e Jovem, têm uma composição específica que é necessário levar em conta e respeitar. Se de modo geral o editor de texto dirige a cena, cada vez mais o papel do design gráfico, do editor de arte e do produtor gráfico ganham relevância e muitas vezes protagonismo. É só pensar, por exemplo, nos livros de imagens e nos formatos mais ousados, com recortes, facas etc.
Daí a importância de procurar a harmonia entre estes dois lados que, muitas vezes, em defesa de cada terreno particular, se converte em palco de fortes tensões. E aqui o elemento diferenciador reside outra vez numa gestão clara dos processos, das etapas; na constituição de equipes que trabalhem em torno de projetos claros, compartilhados e definidos.
Em tempo: falando em formação, que tal visitar a exposição “Linhas de Histórias – um Panorama do livro ilustrado no Brasil”, dedicada à produção brasileira contemporânea de ilustração, promovida pelo SESC SP, no SESC Belenzinho, em São Paulo. E ainda dar uma olhada nos livros recém lançados pela editora CosacNaify de Sophie Van der Linden e Maria Nikolajeva e Carole Scott, que abordam a questão do livro ilustrado.