O rádio digital já está sendo testado no país. Governo brasileiro deverá definir este ano o sistema de transmissão. Para especialistas, o conteúdo será o grande diferencial
Por Priscilla Leite
Muito se fala na TV digital e em todas as suas potencialidades que, aos poucos, afirmam os especialistas, chegarão ao dia-a-dia dos cidadãos. Mas um outro meio de comunicação também está prestes a ganhar nova roupagem e função: o velho e conhecido rádio. É o que afirma a professora Nelia Del Bianco, do curso de comunicação da Universidade de Brasília (UnB). Doutora em comunicação pela USP, Nelia diz que as vantagens da transmissão digital são significativas e que irão revitalizar o rádio tanto no conteúdo quanto na forma de consumo.
Para Nelia, o conteúdo é o principal diferencial que fará com que o novo meio digital obtenha retorno e audiência. “A experiência de quem já convive com rádio digital há mais de dez anos mostra que a tecnologia digital, para que seja adotada pela sociedade, precisa oferecer muito mais do que melhoria de qualidade de som da programação existente. A experiência no Reino Unido é exemplar neste sentido”, explica a professora.
Segundo John Sykes, diretor de Projeto de Rádio Digital do Serviço Mundial da BBC, a nova tecnologia só agradou os ingleses a partir do momento em que as empresas de rádio comercial do país se uniram para patrocinar o desenvolvimento de um aparelho compatível com o bolso dos ouvintes e, assim mesmo, quando elas investiram numa programação de qualidade e segmentada. A BBC, por exemplo, criou cinco canais de rádio exclusivos para a freqüência digital.
“Hoje ouvintes regulares de rádio digital no Reino Unido escutam quatro horas a mais que os ouvintes de rádio analógico. A experiência mostra que o investimento no Brasil terá que se dirigir também para a criação de produtos atraentes e diversificados. Significa aliar qualidade de som com melhoria do conteúdo da programação”, conta Nelia.
Possibilidades tecnológicas não faltam para incrementar o conteúdo da programação. A professora afirma que o sistema digital pode tornar o rádio mais interativo, fidelizando o ouvinte e aumentando a lucratividade das emissoras. A tecnologia também pode oferecer multiplicidade de formas de transmissão. Uma única emissora poderá operar transmissores terrestres para cobertura nacional ou local, transmissores por satélite para cobertura de grandes zonas e transmissores por cabo para zonas pequenas, além de transmitir dados e serviços especializados.
“Essa variedade de formas de transmissão pode provocar uma reconfiguração dos atuais conteúdos e das funções sociais do rádio. Evidentemente, provocará um aprofundamento da segmentação da programação para atender a diferentes faixas ou segmentos da audiência. Uma hiper especialização não só pela música, com seus mais variados gêneros e estilos, mas também pela temática. Emissoras especializadas em esportes, turismo, economia, literatura etc. Tais mudanças poderão colocar fim a audiência massiva e a fidelidade do ouvinte a uma única emissora, o que exigirá dos radiodifusores muita criatividade não somente para gerar conteúdos específicos, como também para enfrentar o desafio de fazer rádio para ser lido”, destaca Nelia.
Diante da possibilidade de transmissão de dados e oferta de serviços especializados, o rádio não mais se caracterizará como um meio de comunicação exclusivamente sonoro. Boa parte de seu conteúdo também poderá ser lido na tela do cristal líquido do aparelho receptor digital – portátil e multifuncional – ou em outras plataformas de mídias convergentes.
“Fatalmente haverá uma sinergia que estimulará o radiodifusor a buscar parcerias e alianças estratégicas com provedores de conteúdo para desenvolver serviços complementares, agregando valor à programação do rádio. Esse cenário promissor sugere ao radiodifusor abrir mão do conteúdo exclusivo para entrar no campo da troca de informação. Significa modificar a atual estrutura de trabalho, adequando seu perfil para se transformar em um provedor de conteúdo que oferece seus produtos a outros players. Quem sabe, finalmente, o rádio deixará de ser o eterno primo pobre entre os demais meios de comunicação”, finaliza Nelia.
Rádio digital em fase de testes no Brasil
Para que o rádio digital seja oficialmente implantado no país, a exemplo do que ocorreu com a tevê, o governo brasileiro terá de escolher um determinado modelo de transmissão. Algumas emissoras de São Paulo, Ribeirão Preto, Cordeirópolis e Belo Horizonte já estão testando o sistema americano IBOC (In Band On Channel), com supervisão do Instituto Mackenzie. No entanto, o sistema ainda não foi aprovado pelo governo. Somente depois de avaliar todos os resultados dos testes, o Ministério das Comunicações tomará uma decisão final.
O que se sabe é que o sistema americano IBOC é preferido por muitos radiodifusores, pois permite transmitir o analógico e o digital na mesma frequencia durante um tempo maior entre as estações já digitalizadas e aquelas que levarão mais tempo para entrar no sinal digital.
Esta preocupação é grande uma vez que um dos principais questionamentos – de acadêmicos, entidades da sociedade civil, pesquisadores e representantes do próprio setor comercial – tem sido como as pequenas e médias rádios comerciais e as emissoras educativas e comunitárias conseguirão arcar com o custo da transição para o modelo digital. A estimativa é que cada rádio terá de pagar entre US$ 80 mil e US$ 120 mil para comprar transmissor e antena digitais. Teme-se que as pequenas emissoras comerciais do interior não tenham recurso para tal investimento.
Em países como Espanha, Suíça e Alemanha, o rádio digital está em funcionamento há mais de dez anos, mas não obteve o retorno esperado. Houve uma baixa aceitação do produto no mercado. Na Espanha, em 2006, somente cinco mil receptores digitais foram comercializados. Os preços elevados dos aparelhos receptores são uma barreira à adesão do público. E não há qualquer projeto do governo para subsidiar a produção de receptores, que, a exemplo da TV, são comercializados ao público para que a transmissão possa acontecer de fato.
Aqui no Brasil, a expectativa é de que o rádio receptor chegue ao mercado na faixa de R$ 100 a R$ 200, mas o custo deverá baixar com o tempo, como aconteceu com os telefones celulares. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) estima que a migração dos ouvintes se complete entre sete e dez anos. Durante o mesmo período, as emissoras terão que transmitir sua programação, ao mesmo tempo, por via analógica e digital.