A música influencia o filme que influencia a música

Por Jarbas Agnelli
Músico e publicitário. Diretor da agência AD Studio.

 

Essa semana, um pequeno vídeo que fiz, entitulado Birds on the wires, está para completar 1 milhão e 200 mil acessos no site vimeo.com, e já bateu vários milhões se somados todos os posts em blogs e portais. O fato é que essa ideia simples, num vídeo extremamente despretensioso, trouxe mais atenção ao meu trabalho e a minha empresa do que todos os Leões e Clios que ganhei em minha carreira de publicitário. Apesar de simples, curto e feito em apenas 1 dia, no fundo sei que o trabalho é fruto de uma longa e intensa década dedicada a pensar áudio e vídeo simultaneamente.

Eu ainda não tenho certeza se tenho uma produtora de vídeo que faz áudio, ou uma produtora de áudio que faz vídeos. O fato é que deu certo. O AD Studio é a única produtora brasileira que faz as duas coisas ao mesmo tempo. E para meu orgulho e satisfação, faz bem. Quando decidi deixar a W/Brasil (e a direção de arte), e montar minha empresa, já flertava com essas duas atividades, e com a ideia de fazê-las juntas, e as experimentava em longas madrugadas dentro de meu estúdio caseiro. Durante anos sonhei com a possibilidade de um dia vir a trabalhar de um jeito inédito, onde imagem e música fossem criadas e produzidas simultaneamente. Dessas tentativas nasceram filmes que deram à W/Brasil alguns Leões e Clios, e deram a mim a coragem para esse passo em direção ao desconhecido.

Minha formação musical aconteceu ao mesmo tempo que minha formação publicitária. As aulas de piano clássico e jazz, e minha primeira banda de rock, foram contemporâneas às aulas de direção de arte que eu recebia de meu pai, Laerte Agnelli, e as aulas na ECA, USP (nem de longe tão ricas ou úteis como as de meu pai). Com meu tio, Carlos Vecchio, aprendi a arte do “áudio visual” (algo como o PowerPoint dos anos 1980): dois projetores de slides sincronizados com um gravador de rolo. Mas foi somente quando os computadores pessoais começaram a ganhar potência e softwares sofisticados ficaram disponíveis, que as possibilidades desse amálgama começaram a se concretizar. Fui movido pela ideia de que, dentro da máquina, fotos, ilustrações, filmes, sons, músicas eram primordialmente a mesma coisa: uns e zeros.

Com esse conceito na cabeça, passei a tratar o computador como um liquidificador. Todas as frutas têm que ser jogadas e processadas ao mesmo tempo. A mistura tem que acontecer num brainstorming profundo e quase violento, onde um elemento realmente se funde no outro. Multitarefa não é trabalhar com a internet aberta no fundo. A ideia é deixar os computadores de joelhos, não importa quantos Mhz, bytes e bits tenham, abrindo sequenciadores de música, editores de filme, processadores de fotos e programas de composição, todos ao mesmo tempo. Para esse método funcionar, arquivos têm que pular de um programa a outro, inacabados. Vão ganhando corpo e relevância a cada visita que fazem ao programa vizinho. A música influencia o filme que influencia a música que influencia o filme que influencia a música.

Assim nasceram filmes/trilhas como os premiados “A semana” para a revista Época, a campanha “CD, DVD e Livro” para a fnac, “Azarado” para Kleenex, a campanha “Qual é o seu ritmo” para Matte Leão, e dezenas de outros comerciais, onde áudio e vídeo são como o ovo e a galinha: impossível saber quem nasceu primeiro.

Em outubro do ano passado, usando essa mesma metodologia, produzi essa peça que veio a se tornar um hit mundial na web (sem realmente nenhuma pretensão de fazê-lo). Birds on the wires só poderia ter sido feita com essa maneira de pensar e trabalhar. Deparando-me com uma linda foto de pássaros pousados em fios elétricos imagem da capa desta edição, publicada no Estado de S. Paulo, resolvi tentar “tocá-la”, já que a imagem continha 5 fios, exatamente o números de linhas num pentagrama. Ao piano descobri que a melodia era doce e suave, quase infantil. Produzi então, após decidir por uma métrica e um tom, uma música com roupagem erudita, usando samples de um quarteto de cordas, flauta, clarinete, oboé e fagote, além de vibrafone e glockenspiel. Confesso que o resultado final dessa minha parceria com os pássaros me emocionou, e me levou a procurar o fotógrafo da foto na internet. Descobri facilmente Paulo Pinto (o fotógrafo também tinha nome de pássaro!), um renomado fotógrafo jornalístico, e lhe enviei a música, pedindo permissão para usar a foto. Ele prontamente me respondeu de volta, entusiasmado com o resultado, e, mais ainda, com o fato de eu ter visto o mesmo que ele viu no momento do clique. De posse da foto em alta resolução criei um vídeo simples, na tentativa de ilustrar minha linha de raciocínio. Uma foto, que virou uma música, que virou um vídeo.

Não sei exatamente como as coisas acontecem na internet, mas dias após publicar o vídeo no vimeo.com acompanhei embasbacado sua trajetória meteórica. Tal qual um fractal se expandindo diante de meus olhos, os views passaram de dezenas a centenas, de centenas a milhares, de milhares a milhões. Portais gigantes como Gizmodo, MSN, Wired e Fox postaram o vídeo. Blogs do mundo inteiro o comentaram. Rádios dos EUA e da Europa me entrevistaram sobre ele. Porque, eu ainda não sabia. Uma das conclusões a que cheguei é que, de alguma forma pessoas de diferentes etnias, credos e idades se entusiasmaram com o conceito de “natureza interpretada como arte”. O vídeo fez bem o seu papel didático, e mostrou claramente a possibilidade de um padrão aleatório da natureza conter uma obra de arte. Algo que todos enxergam todos os dias a caminho da escola ou do trabalho. Enxergam, mas não veem. Ou não ouvem. E isso tocou profundamente alguns. Tive certeza disso ao executar a peça ao vivo, no TEDx São Paulo. Após dar uma curta palestra sobre a história, apresentei a música, acompanhado de uma pequena orquestra. E do vídeo. Ninguém sai ileso ao ser ovacionado em pé por uma plateia do TED. Confesso que só naquele momento, após o último acorde, diante das palmas daquela seleta plateia de pensadores, filósofos, criadores e realizadores, tive a certeza de ter feito algo especial.

O que me fez enxergar a música na foto, e o vídeo na música, sem sombra de dúvida foi a experiência e o treinamento dessa década pensando música e imagem como uma só coisa. Algo que eu recomendo a todos, independente do nível de know-how que tenham nesses campos. As ferramentas estão disponíveis, como nunca antes. Mas além da experiência, duas coisas importantes tiveram papel fundamental nessa história. A primeira é o que eu considero um olhar infantil. Um olhar ingênuo, que todos tivemos um dia, onde tudo é possível, e que vai se perdendo com o tempo. O olhar sonhador. O olhar que o Paulo Pinto teve ao clicar a foto. A outra coisa é mais fácil: a simples iniciativa. A porta sempre aberta. A realização de algo imaginado, sem a preocupação com o sucesso ou o fracasso.

Quantas pessoas, das centenas de milhares que compraram o mesmo jornal, viram naquela foto uma partitura? Provavelmente milhares. E quantas dessas pessoas eram músicos? Provavelmente centenas. Será que fui o único a ir ao piano com a foto recortada nas mãos? Espero que não.

Os sonhos estão a nossa volta, como frutos em árvores, prontos para serem colhidos. Não há absolutamente nada que nos impeça de sonhá-los. E há apenas uma coisa que nos impede de realizá-los: o medo do primeiro passo.

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waldir
waldir
12 anos atrás

DESLUMBRANTE.ACHO QUE SO PODE TER SIDO OBRA DE DEUS POIS FOI O TOQUE DIVINO QUE FAZ QUEM OUVE SENTIR O ARREPIO DA MUSICA.O AUTOR FOTOGRAFO MUSICOS E ENFIM TODOS FORAM REGIDOS PELA ESPIRITO SANTO.MUITO LINDO .MUITO LINDO.ABRAÇOS

Mario Alves
Mario Alves
14 anos atrás

Excelente trabalho. Também penso da mesma forma. Porque será que no cinema nacional
o som ainda não foi descoberto?

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