Por Marcus Tavares
A revistapontocom tem como uma de suas premissas a inovação e a conexão entre saberes. Neste sentido, nossa equipe entendeu que já estava mais que na hora de abrir espaço para jovens talentos expressarem seu processo criativo e suas produções na área artística. A ideia é identificar, reconhecer e compartilhar criações e experiências desta nova geração interconectada com a arte e tecnologia.
Para estrear esta nova área, conversamos com o escritor Vinícius Portella (foto de Cícero Portella/divulgação). Natural de Brasília, ele tem 35 anos. É mestre (pela Dartmouth College) e doutor (pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro) em Literatura Comparada. Professor de literatura, já publicou três livros: Os sinais impossíveis (2010); Procedimentos de Arrigo Andrada (2017) e O inconsciente corporativo (2023).
Neste último trabalho, Vinícius traz nove contos, através dos quais expõe as consequências de uma geração que se vê cada vez mais capturada pelas supostas benesses da conexão digital. Tinder, Reddit, Bitcoin e inteligência artificial aparecem lado a lado com as dinâmicas cada vez mais impessoais de escritório, conversas entre herdeiros desconectados da realidade e, por que não, longas investigações sobre a possibilidade de redes neurais, como o ChatGPT, produzirem contos inéditos de Jorge Luis Borges.
O mosaico montado por Portella, vertiginoso na diversidade, porém conciso em sua forma, é um documento em que cada conto funciona como peça de uma imensa engrenagem tecnológica – com sua precisão e seus absurdos. Na avaliação do escritor e professor de literatura, Henrique Balbi, “O inconsciente corporativo talvez aponte um caminho na busca pela elaboração literária da vida digital: qualquer forma que assuma — conto, romance ou outra coisa ainda —, ela terá que funcionar como literatura”.
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Em Procedimentos de Arrigo Andrada, a tecnologia também está presente. O romance conta a história do jovem Arrigo, estudante de Tocantins que vai para Brasília cursar Administração na Universidade de Brasília. Arrigo, obcecado pela internet e videogame, se dedica a desenvolver procedimentos para facilitar sua presença no mundo. Tudo vale: de listas, gráficos, anotações a manuais. Segundo Leonardo Lamha, doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense, “no romance, a Arrigo não é suficiente só utilizar ou consumir conteúdos midiáticos: sua obsessão é pelo que existe de oculto, escondido e enviesado nas mídias, como se operasse a partir da seguinte premissa: se estamos todos conectados, significa que podemos descobrir, de modo determinante e infalível, como nós figuramos no esquema geral do mundo. (…) Poderíamos dizer que o romance de Vinicius Portella nos ‘des-habitua’ ao nosso mundo digital, fazendo da literatura uma espécie de tecnologia de visualidade que permite ver aspectos da contemporaneidade que, de tão próximos, estavam invisíveis”.
Já em sua primeira obra, Os sinais impossíveis, o escritor retrata uma juventude consumidora de entretenimento conectada à internet, por meio de João e Luís, estudantes brasilienses com sede de sentido e cujas vidas, assim como as de seus colegas e amigos, se dividem entre a universidade, os compromissos sociais pouco sérios, o consumo cavalar de cultura de massa e as descobertas precocemente envelhecidas e degeneradas em frustrações, numa teia de relações humanas cada vez mais difíceis e de rituais vazios que tentam forjar a realidade.
Pertencente a uma das últimas gerações que conseguiu presenciar a transformação do mundo antes e depois da internet, Vinícius é conectado ao mundo digital. Em seu doutorado, teve a oportunidade de se aprofundar nos temas de cultura e tecnologia. E, neste sentido, vem construindo uma bibliografia ficcional que traz o cotidiano de gerações impactadas, às vezes mesmo sem sentir, pelo universo midiático e tecnológico.
Acompanhe a entrevista, conheça um pouco sobre os bastidores do processo criativo de Vinícius Portella:
revistapontocom – De onde surgem suas inspirações?
Vinícius Portella – De todo lugar. No meu doutorado na UERJ, estudei muito esses temas de cultura e tecnologia e isso me ajudou a descobrir alguns assuntos interessantes. Alguns dos contos deste último livro (como “Domínio de Melchizedek” e “Demarcação Diamantina”) partem de histórias reais, inclusive. Gosto muito de inventar em cima de coisas que existem. Varia bastante. Às vezes um conto começa com uma frase e uma imagem vaga, às vezes já aparece uma trama toda na cabeça. Eu só sinto vontade de mostrar para alguém quando já está mais ou menos pronto. E aí leio e releio dez vezes.
revistapontocom – Como é o seu processo de trabalho?
Vinícius Portella – O sentimento inicial às vezes é frustrante porque você ainda não sabe bem para onde vai, mas a graça também é toda essa, descobrir enquanto faz. Se você mesmo não ficar um pouco surpreso com o que acontece no processo, a chance de surpreender outra pessoa é mínima. Um exemplo: o conto título (“O Inconsciente Corporativo”) nasceu com uma ideia simples: uma mãe que assiste a um desenho animado com a filha e percebe que um sonho que ela teve no passado aparece igualzinho ali no programa. Comecei a escrever isso sem nenhum plano, mas de repente percebi que a premissa amarrava várias coisas que me interessam a respeito da cultura digital e do capitalismo contemporâneos. Você mira numa coisa e acerta em outra.
revistapontocom – Você faz uso de algumas tecnologias para o desenvolvimento de suas criações?Vinícius Portella – Nada além de computador e processador de texto.
revistapontocom – Quando você cria, você busca exatamente o quê?
Vinícius Portella – Depende. Para mim, texto literário deve produzir prazer de algum tipo. Então em algum nível estou sempre buscando isso, alguma ideia estimulante, algum arranjo diferente. Mas não vou atrás de nenhum sentimento específico, em geral. Cada peça invoca sua forma.
revistapontocom – E quando a criação está pronta, qual é a relação que você estabelece com sua obra?Vinícius Portella – Nenhuma. Escrevi por muito tempo sem publicar, então na verdade esse lado de observar a reação alheia é um pouco novo para mim. Mas estou achando ótimo.
revistapontocom – Neste mundo midiático, tecnológico e interativo, como você analisa o processo de criação dos artistas em geral?
Vinícius Portella – O processo de criação hoje parece cada vez mais ansioso e frenético. As plataformas gigantes de hoje conseguiram produzir essa bagunça ansiosa entre trabalho e lazer, entre comunicação e autopromoção, que hoje engoliu quase toda a vida social, inclusive as artes. Fica até difícil se retirar um pouco da linha do tempo acelerada para poder produzir alguma coisa.
revistapontocom – E, neste mesmo cenário, midiático, tecnológico e interativo, como se dá a relação do artista com o público?
Vinícius Portella – A relação do artista com o público ficou mais próxima, mas de um jeito um pouco tenso, também. Criou-se essa expectativa de que todo artista precisa manter sua marca pessoal nas plataformas, precisa ficar ali agregando valor ao seu nome o tempo todo. Por um lado, é legal poder ter acesso ao cotidiano das pessoas, por outro, as pessoas perdem qualquer sombra de mistério.