Por Marcus Tavares
Gustavo Henrique Wanderley é professor de Artes Cênicas da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro desde 2017. Atualmente, atua como Assistente da Gerência de Educação da 7ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) e articulador do Programa Esse Rio é Meu junto às escolas.
O programa Esse Rio é Meu é desenvolvido em conjunto pela Secretaria Municipal de Educação e pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Prefeitura do Rio, em parceria com a oscip planetapontocom e a concessionária Águas do Rio – patrocinadora do programa. O objetivo do programa é engajar escolas na recuperação e preservação dos rios. Cada grupo de escolas da rede pública de ensino do Rio ficou responsável por desenvolver ações em torno de um dos corpos hídricos da cidade.
À frente da articulação junto às 83 escolas da 7ª CRE, Gustavo acredita bastante no potencial de aprendizagens vivenciadas nos projetos extracurriculares, em especial naqueles que proporcionam desenvolvimento artístico-corporal e se relacionam de forma viva com o entorno comunitário escolar.
Desde o início do ano, ele já promoveu duas reuniões com todos os professores que estão desenvolvendo as etapas do programa para reiterar os objetivos, alinhar e partilhar possíveis estratégias, fortalecer os canais de comunicação e levantar as primeiras impressões do trabalho de campo das escolas.
Em entrevista à revistapontocom, o professor lista os desafios e ao mesmo tempo os ganhos da implementação do Esse Rio é Meu. “O Esse Rio é Meu colabora para uma mudança de paradigma, ao compreender que o ser humano é entidade integrante da natureza e não à parte dela”, destaca.
Acompanhe a entrevista:
revistapontocom – Qual foi o objetivo do encontro?
Gustavo Henrique Wanderley – O encontro, que ocorreu na última terça-feira (19), teve o objetivo de reunir presencialmente professoras e professores que estão desenvolvendo as etapas do projeto nas escolas da 7ª Coordenadoria Regional de Educação no ano de 2023, no intuito de abordar os seguintes pontos: revisitar os registros e experiências compartilhados na fase do “Diagnóstico”; alinhar e partilhar possíveis estratégias de desenvolvimento da etapa “Planejamento”, entendendo os eixos de abordagem nos diferentes eixos de ensino; fortalecer canais de comunicação; e levantar primeiras impressões do campo. Percebi que o encontro virtual de apresentação do projeto no início do ano, apesar de ter uma adesão razoável, não contemplou grande parte das dúvidas dos professores. O momento de diagnóstico foi atravessado por sequente contato com alguns desses educadores que me procuraram, seja pelo e-mail da Gerência de Educação, seja por ligação telefônica e esporádicos encontros individuais na Coordenadoria. Com isso, julguei interessante realizar esse segundo encontro de forma presencial, para fortalecer o vínculo entre as escolas e igualar as informações sobre o projeto de uma forma mais orgânica. Outro ponto que destaco é a necessidade de pensarmos que os planos pedagógicos anuais de cada escola, com temas e objetivos próprios, é um ponto de partida para pensar o planejamento de execução do projeto Esse Rio é Meu. Isso foi uma fala reiterada, pois muitos professores receberam a proposta como “mais uma demanda”. No momento em que as atividade e objetivos se alinham e a equipe pedagógica está apropriada na construção dos planos de aula, o desenvolvimento dos projetos confluem de forma coesa. O projeto passa, portanto, a se adequar ao contexto escolar e não o inverso.
revistapontocom – Como tem sido a adesão das escolas da 7ª Coordenadoria?
Gustavo Henrique Wanderley – Pelo acompanhamento, percebo que mais de 2/3 das unidades escolares da regional elencadas para trabalhar com o Esse Rio é Meu (são 83 no total), deram alguma devolutiva sobre a implementação de atividades de pesquisa e conscientização sobre o tema. Na reunião e em pesquisa por formulário compartilhado com as escolas no final de abril, pude perceber que muitas ainda não estavam familiarizadas com a plataforma (fosse por dificuldade de acesso, falta de internet na escola ou por desconhecer mesmo a ferramenta). Na falta de um canal de comunicação mais rápido e um fluxo de postagens baixo na aba “Escolas em Ação”, essa percepção ficou prejudicada. Portanto, decidimos criar um grupo de WhatsApp para partilha de informes diretamente com professores.
revistapontocom – Quais são os principais desafios da implementação do projeto?
Gustavo Henrique Wanderley – Durante a reunião, liberamos um espaço para que os educadores apresentassem uma dificuldade e um ponto alto desses primeiros meses de desenvolvimento do Esse Rio é Meu junto aos estudantes. A grande maioria apontou a falta de transporte para realização das visitas ao rio como um ponto de atenção, sendo uma demanda crucial. Outra, contudo, colocam que o trecho do corpo hídrico no qual estão se debruçando, fica em área de risco e que expor as crianças seria inviável. A falta de garantia desses instrumentos essenciais acaba por exigir das escolas certo desgaste para pensar alternativas. O impacto da violência urbana no entorno; dificuldade de estabelecer mais canais de parceria junto à concessionária responsável pela manutenção hídrica da área administrativa onde estão localizadas as escolas da 7ªCRE, no que se refere a visita às estações de tratamento; construções irregulares e excesso de dejetos no rio; e dificuldade de articular as demandas cotidianas da escola com o planejamento de execução do projeto foram alguns outros pontos que apareceram.
revistapontocom – Quais são, por outro lado, os ganhos até agora?
Gustavo Henrique Wanderley – Por outro lado, a maioria das unidades relata real engajamento de estudantes e educadores em fazer acontecer o projeto. O encontro com o rio, seja presencialmente, seja virtualmente ou através de artefatos/registro fotográficos recolhidos por adultos da comunidade e professores, gerou um encantamento e senso de compromisso em todos. Em consonância, é interessante observar a diversidade e criatividade do corpo docente para adaptar a linguagem e diversos componentes curriculares aos objetivos do projeto. Alguns, que conseguiram acessar ao material do site, elogiaram os que estão disponibilizados; mas também se percebe um interesse em criar sequências pedagógicas próprias adaptadas ao contexto específico de cada unidade e ao currículo carioca.
revistapontocom – Já é possível mensurar alguma mudança na realidade dos rios próximos às escolas?
Gustavo Henrique Wanderley – Se não efetivamente no rio, no interesse dos estudantes e comunidade em realizar mudanças! A exemplo, os estudantes do 9º ano da E.M. Candido Campos, mediados pela professora de Geografia Katia Gil, realizaram uma pesquisa extensa sobre o rio Valqueire (muito próximo à unidade) e descobriram registro jornalísticos das mudanças no que hoje conheciam como Canal nos últimos 50 anos. As histórias descobertas geraram um desejo por mudanças “para ontem”. Durante a reunião, a professora Rafaela Moreira, da Creche Municipal Vitorino Freire, próxima da outra unidade e que trabalha sobre o mesmo trecho do rio, fomentou uma troca de experiências entre as educadoras, que já pensam em desdobramentos. No caso da educadora, que é professora de uma turma da Educação Infantil e promove com as crianças o projeto “Guardiões do Rio”, as soluções viáveis cabem na imaginação e fala dos estudantes. Um possível encontro de objetivos pode desaguar numa troca entre os jovens de diferentes faixas etárias em pensar como será o rio daqui a 50 anos. O gesto de elucubrar a mudança já é em si um grande passo!
revistapontocom – Na avaliação do senhor, qual é a importância do projeto Esse Rio é Meu? Gustavo Henrique Wanderley – Provavelmente a questão da água, da preservação, do meio ambiente são tópicos da rotina da escola….de que forma o Esse Rio é Meu contribui? O projeto é muito importante, não só no sentido da preservação e conscientização sobre a existência/condições de degradação em que os rios da cidade se encontram, mas principalmente do senso de mobilização cidadã (desde a primeira infância), na maneira que a sociedade tem tratado os recursos naturais à nossa volta. O Esse Rio é Meu colabora para uma mudança de paradigma, ao compreender que o ser humano é entidade integrante da natureza e não à parte dela. Reiterando a urgência de entender os corpos hídricos como berço mantenedor da vida no planeta; fortalecendo nas escolas uma abordagem pedagógica que segue esse princípio de articulação dos conhecimentos e prática de pesquisa; e ampliando o sentido de sustentabilidade, acredito que ele pode ser uma das portas para a mudança que queremos ver no mundo. Penso que isso se adequa bastante a ideia de serviço público que, como servidor e educador, eu valorizo: parcerias que possam auxiliar no aprofundamento desse senso serão sempre bem-vindas enquanto puderem apoiar o trabalho de qualidade que já vemos nas nossas escolas, sem anulá-lo. Com tantas barreiras estruturais que enfrentamos, essa janela de conscientização pode ser mais um aliado na construção de uma educação de qualidade.