Telenovela: muito mais do que ficção

“Estudos das áreas da psicologia e antropologia comprovam que não podemos viver sem uma boa dose diária de ficção”, Mauro Alencar.

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Por Marcus Tavares

Em novembro do ano passado, Mauro Alencar, doutor em Teledramaturgia Brasileira e Latino-Americana, pela Universidade de São Paulo, representou o Brasil durante a VIII Cúpula Mundial da Indústria da Telenovela e da Ficção. Autor de livros sobre o tema, Mauro é membro da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação) e da Associação Latina Americana de pesquisas em comunicação, bem como da Latin American Studies Association.

Novela é com ele mesmo. Pesquisador sobre o tema, Mauro é uma das referências nacionais. Em entrevista à revistapontocom, Mauro analisa a função que a narrativa audiovisual adquiriu no Brasil. Traça os marcos da teledramaturgia brasileira e defende a programação – educativa e cultural – das emissoras brasileiras.

Confira a entrevista:

revistapontocom – Telenovelas brasileiras: que fenômeno social é este?
Mauro Alencar
– É um fenômeno que tem suas origens nos folhetins do século XIX, passando pela radionovela e encontrando, na televisão, o melhor veículo para dialogar com as mais variadas classes sociais de um país inteiro. Neste aspecto, a telenovela tornou-se uma tribuna para a sociedade. É por meio de suas tramas que um assunto já existente é legitimado (a clonagem, por exemplo, em O Clone) e oficializado (a aprovação do Estatuo do Idoso pelo Congresso Nacional – Mulheres Apaixonadas). Tudo isto se deve, inicialmente, à inquietude de nossos novelistas em utilizar fatos ocorridos na sociedade como matéria prima para as suas histórias, além do aspecto entretenimento, claro. Portanto, este valor social – diga-se de passagem, único no mundo – agregado à telenovela brasileira, transformou-a num verdadeiro fenômeno social. Se as extintas emissoras Tupi e Excelsior foram responsáveis por fenômenos isolados é bem verdade que na Globo ela atingiu proporções que jamais imaginaríamos. Credito ao alto e sistemático investimento (com louvável organização) da Rede Globo à relação tão intensa que o Brasil tem com a telenovela, repercutindo há muitas décadas no exterior. Numa primeira e longa fase, através da venda da “lata” (O Bem-Amado, Escrava Isaura, A Sucessora…) e, a partir deste ano, vislumbrando um novo capítulo na história da telenovela mundial com a produção de El Clon (em parceria com a RTI e Telemundo, na Colômbia), já considerada um sucesso! 

revistapontocom – Poderíamos dizer então que as telenovelas não são mero entretenimento?
Mauro Alencar
– Antes de mais nada, entretenimento sim, pois foi concebida para tal. Mas conforme já falei, ela começou a atingir proporções muito maiores e complexas do que apenas “entreter” (sem qualquer juízo negativo a isso, que fique bem claro) com a renovação sistemática promovida pela Rede Globo a partir do início da década de 1970. É quando neste período, o da industrialização do gênero no Brasil, tem início a “Moderna Telenovela Brasileira”.

revistapontocom – Então a telenovela vem se transformando ao longo das décadas? Existem marcos?
Mauro Alencar –
Sem dúvida alguma, assim como o Brasil e o mundo. Novelas que inovaram por algum aspecto (de texto, direção ou tecnologia) são consideradas marcos do gênero. Com mais de 500 produções, a contar da primeira diária, em julho de 1963, são inúmeras as novelas que marcaram época. Seleciono algumas [clique aqui] . A partir de 1969, há uma segunda revolução na história da telenovela brasileira com o início da modernização e industrialização promovidas pela produção da Rede Globo. Revoluciona-se não apenas o conteúdo e forma, mas sim o sistema de produção de novelas no Brasil (e em termos da nascente indústria mundial da telenovela) com reflexos intensos na sociedade em seus diversos aspectos –  econômico, político e cultural. É notável também como cada autor, em diversas novelas, procurará revolucionar um aspecto da narrativa. É isto, aliás, que  encanta (e diferencia) as produções brasileiras no mundo inteiro.  Dentro de mais de 500 produções da história da telenovela diária, elegi algumas que considero essenciais ao processo de renovação e que de algum modo transformaram a narrativa ficcional televisiva.

revistapontocom – Telenovelas no século XXI ainda encantam?
Mauro Alencar
– Sem dúvida alguma. Além da Globo, claro, basta verificar o esforço da Record, SBT e Band em produzir novela. Estudos das áreas da psicologia e antropologia comprovam que não podemos viver sem uma boa dose diária de ficção. E ao dizer “diária”, claro está que a novela é o gênero mais adequado e forte dentro da sociedade em que vivemos.    

revistapontocom – Quem consome telenovela? Crianças, jovens ou adultos?
Mauro Alencar
– Todas as idades e todas as classes sociais. Por sua extensão e periodicidade permite uma total e ampla identificação e projeção que sustentam qualquer gênero de ficção.

revistapontocom – Classificação indicativa das telenovelas brasileiras: uma medida sensata?
Mauro Alencar
– Há que se confiar no bom senso dos autores, diretores e produtores.

revistapontocom – Mas em nome da ficção e do entretenimento tudo vale?
Mauro Alencar
– Deste modo radical, não. Como afirmei: há que ter bom senso do autor, diretor e produtor.

revistapontocom – Telenovela e escola/educação combina?
Mauro Alencar –
Dentro do gigantesco universo da telenovela, há diversas ramificações, estilos de dramaturgia literária. Por exemplo, basta darmos uma olhada superficial para enxergarmos a contribuição educativa que diversas produções da Globo trouxeram ao adaptar romances para telenovela: Gabriela, Helena, Senhora, A Moreninha, O Feijão e O Sonho,  Escrava Isaura, A Sucessora, Ciranda de Pedra, Sinhá Moça… Lembro-me que o romance Maria Dusá, de Lindolfo Rocha, estava fora de catálogo desde o início do século XX. Com o êxito da produção da Globo, em 1978, a Editora Ática relançou o romance que deu origem à novela Maria, Maria.  Isso sem contarmos na mensagem educativa impressa em praticamente todas as novelas. Claro está que quando me refiro em “educação” estou englobando a cultura de um povo, pois, a novela é um gênero de ficção que representa o indivíduo na prosa diária do mundo. Por seu caráter diário e longevo, há tempo suficiente para compartilharmos as semelhanças e diferenças com os personagens no amplo leque social e histórico no qual estamos inseridos no tempo presente ou por meio da memória.   

revistapontocom – Qual é o futuro da telenovela?
Mauro Alencar
– Seguir retratando o cotidiano de nossa gente, num equilíbrio entre ficção e realidade, e adaptar-se às novas tecnologias e exigências do mercado, sem perder de vista que o princípio de tudo é uma boa história com personagens envolventes, fato comprovado por Sherazade nas suas Mil e Uma Noites.

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Cristiane C.
Cristiane C.
14 anos atrás

Olá. É sempre bom ouvir (neste caso, ler) relatos e afirmações de quem entende do assunto.
Também estou fazendo minha monografia relacionada a esse tema. Bom, minha dúvida é a seguinte: Vocês citam na apresentação do Mauro Alencar que ele é autor de livros sobre o tema, mas não deram nenhum título. Será que seria possível me passar o nome de algum livro escrito por ele que tenha a ver com esse assunto?

Agradeço desde já!

Josuel Junior
Josuel Junior
14 anos atrás

Minha monografia será “A TELENOVELA BRASILEIRA SENDO DISCUTIDA COMO LINGUAGEM DAS ARTES CÊNICAS EM SALA DE AULA”. Estou a procura de Mauro Alencas há alguns dias. Se a equipe da reportagem puder me ajudar…

Grato!

Aladim Miguel
14 anos atrás

Muito legal a entrevista de Mauro Alencar, é sempre bom ver opiniões de quem realmente entende de teledramaturgia como ele. A matéria tá ótima e a união das telenovelas com a literatura sempre deu certo como ele citou na entrevista. Como esquecer das adaptações perfeitas de Escrava Isaura, Ciranda de Pedra e Sinhá Moça produzidas pela TV Globo.

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