Por Vanessa Anacleto
Co- fundadora do Milc
Artigo originalmente publicado no site do Milc
Esses dias recebi a imagem abaixo no Facebook e ela me fez pensar um pouco. Com mais de 130.000 compartilhamentos em poucos dias, sua boa aceitação demonstra muita coisa. Em primeiro lugar, as pessoas compartilham imagens no Facebook sem pensar muito e isso os administradores de páginas já sabem. Afinal, a tecnologia já assumiu tudo há milênios em nossa civilização e todas as brincadeiras na imagem, exceto a amarelinha possuem algo de tecnológico. Ah, mas não foi isso o que a imagem quis dizer, né? Ela se refere à tecnologia digital. E, segundo seus criadores antes da tecnologia digital “assumir tudo” foi possível ter uma infância feliz. Será?
Será mesmo? Bem, não duvidamos que todas as 130.000 pessoas que compartilharam a imagem tenham sido imensamente felizes na infância ocorrida antes da tecnologia – digital – assumir tudo. Mas, será que a culpa pela alegada inviabilização da infância é da tecnologia digital ?
Fico me perguntando onde moravam essas pessoas com infâncias tão felizes ocorridas antes da tecnologia digital assumir tudo. Terá sido em uma grande cidade repleta de perigos e violência? Uma cidade carente de espaços abertos onde as crianças pudessem brincar? Será que essas crianças tão felizes das gerações anteriores à tecnologia digital tinham que brincar dentro de apartamentos pequenos? E as praças próximas às casas dessas crianças tão felizes, seriam mal cuidadas ou quando recuperadas invadidas por moradores de rua?
A imagem questionada dá a entender que as crianças de hoje não gostam mais de brincadeiras ao ar livre e em grupo. Quem lida com crianças todos os dias sabe que isto não é verdade. Se nossos pais nos garantiram uma infância melhor do que a que proporcionamos aos nossos filhos, não adianta culpar Steve Jobs. A responsabilidade por uma Cidade cada vez menos oferecem às crianças espaços para brincadeiras é exclusivamente nossa.
A tecnologia digital, que nos permite escrever este artigo para logo ser compartilhado em todo o mundo, coisa que na época da minha infância era inimaginável, não é a culpa da pela falta de brincadeiras ao ar livre das crianças de hoje. O que nos falta são políticas públicas que acolham sem teto para que não precisem invadir as praças, mantenham a cidade limpa e segura, aumentem e democratizem os espaços públicos em todo país. O direito ao brincar é garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos que estabelece “o direito ao repouso e ao lazer” ( art. 24), pela Declaração dos Direitos da Criança, que confere aos meninos e meninas o “direito à alimentação, à recreação, à assistência médica” e a “ampla oportunidade de brincar e se divertir”(artigos 4 e 7) e pelo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece o direito a “brincar, praticar esportes e divertir-se” ( art. 16). Novos prefeitos e vereadores acabaram de assumir seus mandatos. Que tal deixarmos de culpar a tecnologia digital e começarmos a cobrar das prefeituras políticas públicas que permitam que a infância seja vivida como deve?
Foto de capa de Michael Potyomin.