Viver a vida: a auto-ajuda televisiva

  

Por Marcus Tavares

Abandono. Câncer. Criminalidade. Dependência química. Obesidade. Pobreza. Leucemia e violência. Estas são as principais áreas do Portal da Superação, um das áreas do site da novela Viver a vida, de Manoel Carlos, da Rede Globo de Televisão. O portal reúne as falas das pessoas que aparecem ao final de cada capítulo, onde narram, em poucos segundos, uma passagem geralmente sofrida da vida, mas que foi vencida, superada. Bem editados e com uma história bastante envolvente, os vídeos emocionam. Fazem com que o telespectador reflita, mesmo que momentaneamente. Funcionam como uma injeção de incentivo, esperança e auto-ajuda.

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Mas o que isto significa? O que leva pessoas de diferentes classes e contextos exporem seus sofrimentos e dificuldades? O que leva pessoas a publicizarem seus dramas particulares em público? Por que esses depoimentos despertam tanto interesse da audiência? As falas são uma forma de evidenciar a estreita relação que existe entre a ficção e a realidade?

Em seu livro Modernidade Líquida, o sociólogo Zygmunt Bauman afirma que quando a televisão dá vez e voz para a não-celebridade, a pessoa anônima, a história contada e narrada exerce um efeito maior sobre o telespectador. Diz ele: “as não-celebridades, os homens e mulheres comuns, como você e eu, que aparecem na telinha apenas por um momento passageiro (não mais do que o necessário para contar a história e receber o aplauso merecido, assim como alguma crítica por esconder partes picantes ou gastar tempo demais com as partes desinteressantes) são tão desvalidas e infelizes quanto os espectadores, sofrendo o mesmo tipo de golpes e buscando desesperadamente uma saída honrosa e um caminho promissor para uma vida mais feliz. E assim, o que elas fizeram eu também posso fazer, talvez até melhor. Posso aprender alguma coisa útil tanto com suas vitórias quanto com suas derrotas”.

O livro é bem provocador e vai ao encontro da discussão provocada pelos depoimentos. No capítulo sobre individualidade, Bauman afirma que o que cada vez mais é percebido como questões públicas são os problemas privados que funcionam como uma espécie de identificação com o público. As pessoas anônimas que aparecem na televisão são, na verdade, uma espécie de conselheiras da vida do outro.

“…O que as pessoas em busca de conselho precisam (ou acreditam precisar) é um exemplo de como outros homens e mulheres diante de problemas semelhantes, se desincumbem deles. E elas precisam do exemplo por razões ainda mais essenciais: o número dos que se sentem infelizes é maior que o dos que conseguem indicar e identificar as causas de sua infelicidade. Olhando para a experiência de outras pessoas, tendo uma ideia de suas dificuldades e atribulações, esperamos descobrir e localizar os problemas que causaram nossa própria infelicidade, dar-lhes um nome e, portanto, saber para onde olhar para encontrar meios de resistir a eles ou resolvê-los”.

O que parece estar em jogo, destaca Bauman, é uma redefinição da esfera pública como um palco em que dramas privados são encenados, publicamente expostos e publicamente assistidos. “A definição corrente de interesse público, promovida pela mídia e amplamente aceita por quase todos os setores da sociedade, é o dever de encenar tais dramas em público e o direito do público de assistir à encenação”.

A pergunta que fica é: quais são as consequências desta prática?

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Eliane Maria C Teixeira
Eliane Maria C Teixeira
15 anos atrás

Essa questão de aproveitar um horário nobre, na mídia televisiva para passar a realidade de alguns do nosso povo, é muito importante. Normalmente na programação, principalmente das novelas, existe fatos totalmente fora da realidade e muitas vezes, a mensagem é negativa ou exagerada; e por ser uma comunicação de massa, é importante criar momentos reais, para que as pessoas possam se sentir mais humanas, se identificando uma com as outras; sendo menos superficiais. Outro dado muito importante, é mostrar uma realidade difícil, mas que foi superada. Houve um tempo em que esta mídia, se apegava a alcançar a transmissão da mensagem, através de cenas de tristeza e dor. Grande parte do povo brasileiro, que convive diariamente com situações de perdas, mau atendimento nas instituições públicas e de saúde, e em várias outras ocasiões; que vive no limite máximo de sua normalidade, se sente meio que energizado, ao saber quantas são as pessoas com problemas, muitas vezes maiores que o seu, estar dando um depoimento de superação e vivendo a vida com a opção de ser feliz. De fato, essa pessoa real, vizinha ou conhecida de alguém, que não está ali interpretando, mas, sim, passando uma mensagem de que qualquer que seja o seu problema, existe sempre uma solução. O Universo se encarrega de seguir seu curso apesar ou com você. A escolha é só sua: ser feliz ou se transformar numa pessoa amarga, fechada, num mundo de tristeza, esquecendo, que a cada dia que o sol nasce, é uma nova oportunidade de acertar o que nos incomoda, em nossas vidas. O objetivo de estarmos aqui, é aprendermos a ser feliz, superando as barreiras que nos são impostas nesse percurso do nascimento até a morte. Deus, em sua infinita bondade, nos quer ver felizes. E para alcançarmos esta conquista, também nos deu o livre arbítrio.Como diria Saint-Exupéry “Você é responsável por aquilo que cativas”.

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