Jovens consomem drogas para estudar

Estudantes do Ensino Médio dos EUA tomam estimulantes para melhorar desempenho nas provas.

Por Alan Schwarz
Do New York Times

Nas escolas de Ensino Médio dos EUA, a pressão por boas notas e a concorrência por vagas em universidades estão incentivando estudantes a abusar de estimulantes vendidos com receita médica. Os adolescentes dizem que obtêm os estimulantes de amigos, os compram de traficantes, também estudantes, ou falsificam sintomas para que médicos lhes dêem receitas médicas. “Isso acontece em todos os colégios particulares daqui”, comentou a psicóloga nova-iorquina DeAn-sin Parker, que atende adolescentes de bairros de alto padrão como o Upper East Side de Manhattan. “Não é como se houvesse apenas um colégio com esse problema. Esse é o padrão.”

A DEA (o órgão dos EUA responsável pela repressão e o controle de drogas) classifica estimulantes vendidos com receita médica, como Adderall e Vyvanse (anfetaminas) e Ritalina e Focalin (metilfenidatos), como substâncias controladas de “Classe 2” —a mesma da cocaína e morfina—, que têm utilização médica, mas que provocam dependência. Esses estimulantes também encerram altos riscos legais: poucos adolescentes compreendem que dar um comprimido de Adderall ou Vyvanse a um amigo é o mesmo que vendê-lo e pode ser qualificado como crime.

Esses medicamentos tendem a acalmar as pessoas com transtorno de deficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Já para aquelas que não apresentam a síndrome, apenas um comprimido pode lhes dar energia e concentração suficientes para uma noite inteira de estudo na véspera de uma prova. “É como se o remédio estudasse por você”, disse William, que se graduou recentemente no colégio Birch Wathen Lenox, no Upper East Side.

Mas o abuso de estimulantes pode levar à depressão e a mudanças repentinas de humor (decorrentes da privação de sono), taquicardia e exaustão aguda ou psicose durante a abstinência, dizem médicos. Psicólogos que trabalham com dependentes químicos dizem que, para alguns adolescentes, os com-primidos conduzem ao abuso de analgésicos e soníferos.

Paul L. Hoke-meyer, terapeuta familiar do Centro de Tratamento Caron, em Manhattan, ponderou: “O córtex pré-frontal dos adolescentes ainda não está plenamente desenvolvido, e esses medicamentos mudam a química cerebral. Se você tem uma deficiência real, isso é uma coisa —o remédio é realmente importante. Mas se sua deficiência consiste em não entrar na Universidade Brown, o uso de remédios é perigoso”.

A quantidade de prescrições de medicamentos para TDAH dadas a pessoas de 10 a 19 anos de idade nos EUA aumentou 26% desde 2007, chegando a quase 21 milhões de prescrições por ano. A informação é da empresa de informações médicas IMS Health.

Médicos e adolescentes de mais de 15 escolas de padrões elevados nos EUA estimaram que de 15% a 40% dos alunos dessas escolas tomam estimulantes para ajudá-los nos estudos. “São os alunos que tiram nota A ou B, os ‘bons alunos’”, disse um estudante do último ano do colégio Lower Merion, em Ard-more, subúrbio de alto padrão da Filadélfia. Ele contou que ganha centenas de dólares por semana vendendo medicamentos a colegas de classe, geralmente por US$ 5 a US$ 20 o comprimido.

O uso de medicamentos para o TDAH se difunde em todo o mundo. Um estudo feito pela Universidade da Califórnia em Berkeley, em 2007, constatou que os gastos globais com esses medicamentos se multiplicaram por nove em dez anos entre um grupo de países que inclui França, Suécia, Coreia do Sul e Japão. O aumento foi atribuído à chegada de medicamentos mais caros e de ação prolongada, como Concerta, Strattera e Adderall XR.

Agradando a todos

Madeleine contou que costumava pedir à professora de sua escola católica em Bethesda, Maryland, para sair para tomar água. Então engolia uma cápsula de 40 miligramas de Vyvanse. O efeito aparecia em meia hora: atenção concentrada, memória instantânea e resistência para encarar qualquer prova.

“As pessoas nunca imaginariam que eu usasse drogas – eu não era esse tipo de pessoa”, falou Madeleine, que acaba de concluir o primeiro ano numa faculdade de alto nível e continua a usar estimulantes ocasionalmente. “Não foi uma decisão difícil. A escolha foi: ‘Quero dormir só quatro horas e ficar acabada, ir mal na prova e na partida de hóquei? Ou quero agradar os professores, o treinador, conseguir boas notas, entrar numa faculdade ótima e deixar meus pais felizes?'”. Madeleine estima que um terço de seus colegas no colégio recorria a estimulantes para melhorar seu aproveitamento escolar.

Muitos estudantes em todo os EUA fizeram estimativas semelhantes em relação às suas próprias escolas. Mas há poucos dados sobre esse tipo específico de abuso de drogas. O Instituto Nacional de Abuso de Drogas informou que, entre alunos do ensino médio do país, o abuso de anfetaminas vendidas com receita médica diminuiu em relação aos anos 1990 e permanece relativamente constante, em 10%. Mas alguns especialistas observam que a pesquisa do instituto não enfocou os locais onde o abuso cresce sem parar -os colégios de alto nível, onde a pressão sobre os estudantes é grande. Além disso, os mesmos especialistas lembram que muitos adolescentes mal sabem que os medicamentos, chamados de “drogas de estudo”, são anfetaminas ilegais. “Isso não é como uma vitamina?” indagou um colegial de Eastchester, um subúrbio de Nova York.

Um representante da Shire, que fabrica as cápsulas de Vyvanse e Adderall, disse que estudos não indicam nenhuma ligação entre o uso prescrito dos medicamentos e seu posterior abuso. Uma garota que vende estimulantes a seus colegas na Long Beach High School, em Long Island, a 45 km a leste de Nova York, falou: “Quando as pessoas vão fazer exames, a primeira coisa que perguntam é ‘com quem vou conseguir Adderall?’.”

Douglas Young, um porta-voz do Distrito Escolar Lower Merion, sente-se frustrado pelo fato de tantos pais ignorarem o problema. “Muitas notas A e altos escores no SAT parecem ótimos no papel, mas não refletem a saúde e o bem-estar do estudante.”

Enganando os médicos

Os remédios entram nas escolas através de estudantes que os conseguem legalmente, embora nem sempre legitimamente. Os medicamentos mais antigos contra TDAH vinham em doses que precisavam ser tomadas a cada poucas horas. Para que os alunos não ficassem com as drogas, a enfermeira de cada escola ficava com os comprimidos e os dava aos alunos. Versões mais novas dos medicamentos, com efeito prolongado -como Adderall XR e Vyvanse- permitem que os pais dêem a seus filhos uma dose única pela manhã.

Muitas vezes, eles não têm consciência de que as pílulas podem ser guardadas no bolso da calça em vez de engolidas. Alguns alunos disseram que tomavam os comprimidos apenas durante a semana e davam as pílulas do fim de semana a amigos.

A mãe de um aluno do condado de Westchester, ao norte de Nova York, disse que todas as manhãs observava seu filho tomar sua dose de Ritalina. Um dia ela percebeu que a cápsula estava muito leve e a segurou contra a luz. Estava vazia. “Houve algumas vezes em que faltaram comprimidos no mês, e eu não entendia o porquê”, contou a mãe, cujo filho estava na oitava série na época. “Nunca percebi a razão, até encontrar aquelas cápsulas vazias.Ele estava vendendo o remédio.”

Vários adolescentes entrevistados riram da facilidade com que conseguem receitas para TDAH. A definição do transtorno exige que o deficit de atenção, a hiperatividade ou a falta de controle de impulsos provoquem “prejuízos clinicamente importantes” em pelo menos dois ambientes (na escola e em casa, por exemplo), segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças. Um dado crucial é que parte desse prejuízo precisa ter estado em evidência aos sete anos de idade. Segundo vários médicos, um diagnóstico correto de um adolescente que afirma ter TDAH requer que sejam entrevistados pais, professores e outros para confirmar que os problemas já estavam presentes muito tempo antes.

Muitos adolescentes com receitas médicas disseram que seus médicos apenas ouviram o que eles relataram e já tiraram seus blocos de receitas. A médica Hilda R. Roque, de Nova Jersey, disse que nunca prescreveu remédios para TDAH, mas que muitos pais pressionam os médicos tanto quanto fazem seus filhos para pedir medicamentos, dizendo: “Meu filho não está se saindo bem na escola. Ouvi dizer que há remédios que ele pode tomar que o deixarão mais inteligente.”

Um aluno do último ano em Connecticut que já tomou o Adderall de um amigo comentou: “Esses remédios são esteroides acadêmicos. Só que geralmente não são os pais que conseguem esteroides para a gente.”

O lado negativo dos medicamentos estimulantes se manifesta depois de eles terem propiciado benefícios competitivos de curto prazo. Foi o caso de um estudante da McLean High School, na Virgínia, um dos melhores colégios públicos da região de Washington.

No final de seu segundo ano no colégio, o rapaz queria melhorar sua média, que era B. Então disse à sua psicóloga o que ela precisava ouvir para ele receber um diagnóstico de TDAH. Em pouco tempo, ele recebeu 30 comprimidos mensais de Adderall de dez miligramas. A droga funcionou. Ele passou a estudar até tarde da noite, sua concentração nos exames melhorou, e sua nota média subiu para A-. Quando começou seu último ano no colégio, ele estava tendo dificuldades em se concentrar. O médico prescreveu 30 miligramas por dia. Quando chegou a fase das tentativas de ingresso em faculdades, ele passou a comprar comprimidos adicionais, por US$ 5 cada, de uma garota na aula de francês que também tinha enganado um psiquiatra. Começou a tomar vários comprimidos em alguns dias.

Quando, finalmente, o rapaz estava matriculado numa boa faculdade (mas não ótima), ele consumia 300 miligramas ou mais para adiar a crise inevitável. Um dia, depois de tomar 400 miligramas, ele teve uma forte taquicardia. Começou a ter alucinações e sofreu uma convulsão. Levado ao hospital às pressas, passou sete meses num centro de reabilitação de drogas. Para sua surpresa, dois dos outros pacientes da clínica também estavam ali apenas por terem abusado de estimulantes no colégio.

Isso é errado?

Jonathan Sklar, aluno da nona série em Ardsley, subúrbio de Nova York, descreveu como alguns de seus colegas abusam de estimulantes. Ele disse à sua mãe, Dodi: “Se eu fizesse isso, você não perceberia nada. Só ficaria feliz por eu estar estudando tanto.” Jonathan falou que nunca fará o que fazem esses colegas.

Indagados se usar estimulantes de modo incorreto é errado, estudantes deram respostas diversas. Alguns consideraram que as horas de estudo a mais e a concentração nas provas representam uma vantagem injusta para quem toma estimulantes. Muitos responderam que “drogas não dão as respostas” nas provas.

Mas todos concordaram que o consumo de estimulantes está se tornando mais comum e disseram que alguns estudantes que prefeririam não tomar as drogas seriam obrigados a fazê-lo em função da competição por notas.

Um estudante da Harvard-Westlake School, em Studio City, Califórnia, um colégio de alto nível da costa oeste americana, contou que experimentou o Adderall de um amigo, mas não gostou da sensação de ter seu coração batendo acelerado por muitas horas. Prometeu que nunca repetirá a dose.

Mas ao ver colegas abusarem de estimulantes na concorrência por vagas nas melhores faculdades, ele não tem tanta certeza. “Se necessário, posso voltar a tomar.”

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